sexta-feira, 30 de julho de 2010

AS FORÇAS DO EQUILÍBRIO

É ponto pacífico que no Cosmo tudo é energia. Einstein estabeleceu essa unicidade na célebre fórmula E=mc², pela qual podemos deduzir que toda matéria é energia concentrada. Dito de outra forma: energia é força indestrutível. É eterna e está presente, sob diversas formas, em toda a estrutura de relações existentes nessa grandeza a que chamamos Cosmo, Universo, Tudo.

Esse mundo total, que compreende trilhões de estrelas, organizadas em galáxias, sistemas, ciclos existenciais, está em equilíbrio ou em busca de equilíbrio. Desde os volumes enormes até os ínfimos, como os quarks que se aglutinam para formar prótons e nêutrons.

Não precisamos ir tão longe para ver, perceber e entender que o sistema solar a que pertencemos funciona com perfeição superior à de um relógio. Tudo por conseqüência do equilíbrio entre seus diversos, imensos e misteriosos componentes. E esse estado de estabilidade impressionante do presente é a resultante do embate de poderosíssimas forças havido no passado, no processo de gênese do sistema. Toda harmonia cósmica é obtida dessa forma.

Os planetas, satélites, asteróides, exercendo forças colossais no sistema, estão de tal forma harmonizados que proporcionam à Terra tranqüilidade à biosfera para que possa abrigar e dar condições favoráveis ao seguimento normal da Vida.

Nossa mãe-Terra possui forças transformadoras inimagináveis. Pelo sadio estado de equilíbrio, oferece acolhimento, suavidade, conforto, alimento, sombra e tudo de bom. Essa situação pode muito bem ser simbolizada pela imagem de uma grande cadela alimentando e zelando com amor materno a seus pequenos, indefesos e inocentes filhotes, nos quais está inserida uma cria de outro animal, quadro perfeitamente factível na vida real.

E o que os humanos estão fazendo com esse paraíso, esse conjunto de possibilidades e benefícios para a vida? Em nome de uma cultura fundada na atividade econômica predatória – cujo objetivo é saciar uma ganância voraz, sem limites e contraproducente – vem praticando o sacrilégio de violar os seus secretos domínios do desconhecido, desequilibrando todo esse paraíso vivencial.

Tais pensamentos ocorrem por estarmos, nos tempos atuais, presenciando diversas ações humanas malignas que constituem o começo da etapa final da vida na Terra. Lamentavelmente. Os humanos ainda não ambientalistas, se quiserem fugir dos efeitos danosos do progresso material, que enterrem a cabeça na areia, tal como o faz o avestruz. Somente cegos mentais não enxergam as evidências.

Quais são essas evidências? Já viram que uma criança, quando quebra uma vidraça, esconde as mãos? Já viram que um criminoso sempre procura esconder o fato? Já viram governos esconderem suas ações maléficas, sempre contando com a mídia que os ajuda a confirmar suas mentiras? Tudo para fugirem das conseqüências.

Já ocorreram no mundo perto de 50 acidentes nucleares, sendo o mais célebre e danoso o de Chernobyl, na Ucrânia, em 1986. Ali o processo de irradiação ficou livre, espalhando-a para a atmosfera (a mesma atmosfera que não pertence a pais nenhum, mas ao mundo). A solução emergencial foi a de tapar todo o conjunto do reator com concreto armado. Foi uma solução emergencial. E assim ficou até hoje.

Acidentes nas atividades petrolíferas ocorrem com mais freqüência. São de naturezas diferentes, mas causam estragos imensos aos ecossistemas. Agora mesmo está a humanidade passando por um momento de expectativa muito grave. Não parece ser tão trágica porque a mídia está colaborando, não lhe dando o real significado. Referimo-nos ao acidente ocorrido com o poço extrativo de petróleo da BP no Golfo do México. Essa tragédia já dura mais de 3 meses e a melhor tecnologia do mundo ainda não conseguiu tapar o vazamento. A pressão livre é muito grande e a crosta terrestre esponjosa de fundo do mar (1.700 metros) é frágil, pouco resistente. Isso traduz que, se for definitivamente tapado o vertedouro produzido pelo homem, a pressão interna pode romper o terreno subaquático em outras fissuras, deixando escapar o insigne sedutor negro.

Acidentes vários ocorrem em todas as circunstâncias. Nas estradas, na escola, na cozinha doméstica, deixando suas marcas restritas aos locais. Mas os acidentes ambientais são abrangentes. Têm potencial para produzir seus efeitos no mundo porque interferem no equilíbrio de que já falamos acima. A ação do homem nesse cenário se constitui de efetiva violação insana de um sacrário. Tudo em busca do lucro, esse vil motivo de vida do sistema econômico vigente.

A principal característica de reação do acidente é a sua imprevisibilidade. Pois bem, nesses citados tipos de ocorrência, com efeitos irreversíveis ao ecossistema, podem ser previstos? E as conseqüências trágicas e totais podem ser ignoradas? Quem vai querer retardar a rotação terrestre com o fim de obter lucros?

As ofensas humanas à Natureza não ficam sem seus efeitos. A Natureza não se defende na hora, mas reúne forças para restabelecer o equilíbrio perdido, pautando suas ações pelas leis naturais. Veja-se que a interferência no equilíbrio ambiental do Mar de Aral (semelhante à do Rio São Francisco), deu como conseqüência a morte do próprio Mar e de todo o ecossistema da região. Assim se constroem desertos.

Que a humanidade tenha conhecimento de que o desastre de Chernobyl ainda não está solucionado. A radiação ali está latente, esperando as condições adequadas para se libertar. Por quê? Porque a energia radioativa, como todas as energias do Cosmo, é indestrutível. Da mesma forma, as outras usinas nucleares possuem potencial para desequilibrar nosso ambiente vivencial.

Afinal, pode o mundo sobreviver sem o risco ambiental da ganância do lucro, que chega ao ponto de macular o ambiente dadivoso que lhe dá a suprema e divina energia, a Vida?

sábado, 24 de julho de 2010

ANTROPOCENTRISMO

A Natureza registrou nos genes de cada espécie animal todos os comportamentos necessários à sobrevivência, que se manifestam inconscientemente no momento adequado e necessário. A isso se dá o nome de instinto. A lista desses códigos varia segundo a espécie, como modo de distingui-la de outra e manter, em princípio, a pureza biológica.

Os humanos também possuem esse ordenamento básico. A manifestação desses atributos genéticos nos humanos geralmente é conhecida pelas suas variantes: pulsão, intuição, inspiração, índole, aptidão, caráter, pendor, altruísmo, compaixão e outras. O conjunto de tais qualificações move ações e estabelece uma diferenciação individual, tal como suas feições faciais.

Entre essas condicionantes genéticas, destacamos a que impele o indivíduo a não agredir ou mesmo querer proteger os infantes de sua própria espécie. Uma onça pintada ataca e se alimenta de filhotes de outros animais, mas não dos da própria estirpe. Essa atitude e outras consentâneas, no seu conjunto, são chamadas de instinto de sobrevivência da espécie. O comando instintivo induz a onça a preservar a linhagem a que pertence o que constitui uma atitude plena de coerência. Para melhor entendimento, chamaríamos a essa faceta instintiva de “onçacentrismo”, isto é, um tipo de egoísmo de espécie, caráter inerente a toda a categoria animal. Pensaria uma onça, com justa razão: “tudo se justifica em benefício da onçanidade; as outras espécies existem exclusivamente para nosso proveito”.

A convivência de indivíduos de classes diferentes, desde a infância, desenvolve uma forte empatia recíproca, tornando-os amigos. Isso é possibilitado pela ausência daquele instinto na infância, que somente sobressai após aquele estágio primário. Mas essa anulação de instinto se dá apenas com relação ao indivíduo-amigo, prevalecendo na maturidade o egoísmo de espécie, ou exclusividade de um grupo em relação às demais classes.

Os humanos, quando se comportam de forma a afirmar sua individualidade com exclusão de outros, esse procedimento é chamado de egoísmo, uma atitude condenável aos interesses dos demais componentes do grupo. O antropocentrismo é o mesmo egoísmo, mas se manifesta em relação à espécie e influencia negativamente toda a sociedade biológica, inclusive a própria categoria humana. E o pior: não a deixa enxergar os danos causados ao essencial equilíbrio do ecossistema, o que podemos traduzir como suicídio lento.

Numa situação de existência ideal e equilibrada, essa mola propulsora ajudaria a coordenar a normalidade nos mecanismos ambientais. Mas, com o advento do fenômeno do crescimento excessivo de humanos e aceleração de suas ações destrutivas, em escala geométrica, o salutar equilíbrio ambiental foi quebrado. Isso é extremamente prejudicial aos outros seres vivos, nossos irmãos da flora e fauna, que habitam o mesmo planeta.

Tal situação representaria o mesmo desequilíbrio vivencial se o mundo se visse ante a população faminta e exigente de 6,7 bilhões de ursídeos. E eles somente pediriam alimento e espaço. Imaginem se eles exigissem automóveis, aviões, cidades, confortos, produtos supérfluos e tudo o mais que os humanos tanto desejam e incorporam à sua vivência como itens “necessários”?

Numa simples amostra, felizmente localizada e reduzida na área e no tempo, é do conhecimento geral a ocorrência eventual de superpopulação de gafanhotos que, na ânsia de se alimentarem arrasam tudo o que é comível em seu caminho.

Na linguagem da civilização predatória em que estamos inseridos, as atitudes provenientes do instinto exclusivista humano são tidas como corretas e legítimas, como se pode perceber em cenas de matadouros de animais para retirada de peles para enfeite humano; de glândulas sudoríparas para fabricação de perfumes; de matanças covardes sob justificativa de esporte, e outras barbaridades que, a bom juízo, convulsionam e desequilibram todo o ecossistema e nossas qualificações espirituais. São tidas como normais também atitudes de assistência médica para prolongar vidas humanas indistintamente, sob o impulso inconsciente do antropocentrismo. Até criminosos – escória viva que comete ações absurdas de morte a pais, mães e crianças inocentes por motivos vis – quando feridos são transportados para hospitais no afã de serem salvos.

O comportamento de corporação constitui uma forte variante subconsciente de exclusivismo de classe. Como exemplo, vemos a livre manifestação desse dominador genético nas contendas futebolísticas, quando o indivíduo passa a extravasar ódio ao antagonista, ao ponto de cometer atos agressivos e insanos para lhe tirar a vida.

Esse exclusivismo genético, na forma de instinto condutor, já foi muito útil quando os humanos eram poucos nos tempos primitivos e lutavam para sobreviver como espécie. Hoje, com excesso superlativo e absurdo de quantidade e ações humanas, esse atributo se tornou prejudicial em todos os seus aspectos, seja no campo social, religioso, econômico e, essencialmente, no ambiental. Tornou-se altamente impeditivo para que a razão possa livremente se manifestar e nos conduzir pelo rumo adequado.

Nos humanos, o exclusivismo de espécie ora se apresenta como inconsciente, ora como subconsciente. Quando neste último aspecto, a razão nos proporciona condições de trazê-lo para o consciente, tornando-o perceptível e sujeito a análise crítica, o que torna mais clara e justa a visão de conjunto.

Quiséramos que essa força interna se aflorasse à humanidade para que ela tomasse a necessária consciência ambiental que ameaça a Vida. Mas, como a linguagem vivencial dominante é a dos interesses econômicos materialistas, temos que atingir aquele objetivo por meio das argumentações ecológicas fundamentadas. As pregações emocionais virão tardiamente: quando os fatos se expuserem irreversíveis, como a subida do nível dos oceanos e conseqüente destruição de obras da atual civilização; quando o clima mundial se manifestar furiosamente com os poderosos recursos de que dispõe, cujas conseqüências convencem qualquer mente, por mais inerte que ela seja.

Devemos pôr em evidência que o instinto do exclusivismo de espécie (antropocentrismo) deve ser ignorado pelo comando do senso mental a fim de adquirirmos a capacidade de enxergar a realidade. Devemos ter a razão liberada para, na reflexão, retirar de nossa visão o tapume antropocentrista que nos impede de perceber a verdadeira e real posição do ser humano no planeta.

Algo de grande sabedoria deve ocorrer com os lemingues, pequenos animais da família dos roedores e que habita o círculo polar norte. Eles não possuem predadores e têm fartura de alimentos. No entanto, quando percebem que sua população está muito crescida, grande parte deles se joga nos precipícios de beira-mar, em holocausto ao sadio equilíbrio populacional. Seriam eles animais filósofos?

A eliminação mental do antropocentrismo abre caminho para que os ambientalistas superficiais passem a perceber, com profundidade, os diversos aspectos do problema. Isso aclarará a mente para que possam entender quão frágeis são seus conselhos para economizar água, eletricidade, embalagens plásticas e outras insignificâncias. Esses ambientalistas vêem a degradação ambiental como minúsculo incêndio que pode ser apagado com pequenas colheradas de água. Ainda não perceberam que estamos frente à beira do precipício e que o incêndio total se aproxima pelas costas.

Livrem-se do antropocentrismo quando meditarem sobre os assuntos pertinentes ao nosso meio ambiente. Sejam justos em seus julgamentos.

quarta-feira, 14 de julho de 2010

AGORA OU NUNCA MAIS

Republicação.






Para ler ou copiar o livro, clique no link abaixo.

http://www.ecodebate.com.br/pdf/agora_ou_nunca_mais.pdf

1) APRESENTAÇÃO. Sempre tive muita atração e sintonia com a Natureza. Quando me aposentei, comprei um imóvel rural e por 20 anos ali morei e laborei nesse ambiente que me proporcionava saúde corporal e espiritual, com a prática de exercícios físicos e meditações. Se aprendi coisas na escola, na profissão, na vivência comum, aprendi algo mais rico na convivência com a Natureza. As pessoas que vivem no meio urbano, em geral somente têm contato com outros humanos, seres da mesma espécie biológica, ou com suas obras materiais e desenvolvem o hábito do consumismo. Dessa forma, elas ficam isoladas do convívio com outros seres vivos e não aprendem ou não sentem que todos nós somos filhos de uma mesma origem, o Todo, que alguns conhecem como Deus. A Natureza, riquíssima em sua diversidade, está constantemente se manifestando; ela tem sua linguagem e sua lógica. Esforcei-me em aprender tal linguagem, traduzindo-a para a usual dos humanos e percebi que a Natureza clamava por socorro, pois estava sendo espoliada e enfraquecida pelos seus próprios filhos humanos. Foi daí, por perceber as agruras, tristezas e apelo dessa nossa magna mãe é que me senti tocado em minhas emoções para acudir em sua ajuda, ocasião em que comecei a idear o esboço do livro, único recurso ao meu alcance.

No princípio, considerei fazê-lo sob a forma de ensaio. Posteriormente, levando em conta que o assunto deveria ser acessível a todos, optei por um gênero mais leve. O assunto seria abordado de uma forma mais atrativa, com uso de linguagem simples e didática, motivo por que o tema foi romanceado. Criei uma trama em cima de fatos reais, concretos, que lhe dão o suporte da seriedade e verossimilhança. Para não ficarem dúvidas sobre isso, redigi um posfácio, onde fica claro o seu caráter documental.

Levei cinco anos na elaboração do livro. Depois de pronto, algumas pessoas da área editorial opinavam que o livro era uma ficção científica. Entretanto, depois que o Painel Intergovernamental da ONU, composto por mais de 2.500 cientistas, publicou em fevereiro/2007 o 1° relatório climático, com grande repercussão na mídia e no povo, o livro se tornou realista, verdadeira fotografia do destino da humanidade. Desde então, apareceram vários interessados na sua publicação, considerando-o documentário de uma época e útil no esclarecimento do destino ambiental da humanidade.

2) – EXPLICAÇÃO – Agora uma explicação sobre a tônica usada na divulgação deste livro. Porque é o livro mais importante do momento? Porque, no meu entender, se trata de um documento histórico que lança um aviso de alerta à humanidade e que servirá de referência nos acontecimentos mundiais dos próximos anos. Entendemos que a humanidade vive atualmente uma civilização equivocada. É preciso que alguém desperte para a realidade dos fatos, principalmente os governantes, e saiam dessa ilusão modernista e tecnológica que levou a chamada civilização industrial para a escuridão.

Um fato é claro para todos. A geração humana deste tempo está vivendo exclusivamente para si, sem levar em conta a segurança e futuro das gerações vindouras. Que planeta vamos entregar aos nossos filhos? Já não basta o assassinato das demais espécies vivas, também criadas pelo mesmo Deus? Os homens responsáveis de hoje estão trabalhando para o assassínio também da humanidade? Não enxergam que é hora de parar com a ganância e se voltar para a razão?

3) MINHA VIVÊNCIA. Minha vivência deve servir para alguma referência. Com 82 anos, já sou bastante vivido. Sou testemunha de tempos que muitos não conheceram. Acompanhei, dia após dia, ano após ano, as imperceptíveis mudanças das condições de vivência e presenciei os acontecimentos marcantes de nossa história, pelo menos no correr do século XX.

Poderão confirmar o que vou dizer os companheiros de mesma idade. Eles também são testemunhas vivas do passar dos tempos, e que hoje os mais jovens consideram apenas registros históricos, sem muita importância. Posso dizer: nós, os mais vividos, sabemos e enxergamos o que vocês não vêem. Adiante, vocês dirão: hoje sabemos o que nem suspeitávamos.

Bem, nessa condição posso revelar que lá pelos anos de 1940, as condições de vida eram bem diferentes das de hoje. Em apenas 70 anos decorridos percebi, como fato concreto, que a degradação do nosso ambiente foi enorme. E o que será nos próximos 70 anos?

Comparando as duas épocas, testemunho que, nos aspectos materiais de tecnologia, saúde corporal, conforto, comunicação e poder de decisão, com referência ao indivíduo, houve um enorme avanço para melhor. Repito: com referência ao INDIVÍDUO. Mas à custa de quem? Alguém paga todos esses confortos e excessos que são retirados do nosso meio ambiente. O planeta Terra, cheio de chagas cada vez mais profundas, geme de sofrimento em suas perdas. Até quando?

Já com as condições do coletivo e aos recursos naturais, houve um retrocesso imenso. Antigamente, os rios e ribeirões eram fartos. As águas eram limpas e havia peixes. Hoje, eles se acham minguados, enfraquecidos, insalubres e quase sem fauna, caminhando para a exaustão. Hoje os rios são riachos; riachos, regatos; regatos, filetes; filetes, nascentes; nascentes, tumbas. Isso acontece hoje em todos os elementos do nosso ambiente, no ar, nos mares, no solo.

4) – LIVRO SÉRIO. Este não é um livro água-com-açúcar. É um livro sério. Posso adiantar que ali não exploro emoções vulgares, de fácil apelo comercial com passagens eróticas. É romanceado para melhor assimilação da mensagem. Mas não fala de amor? Fala, sim. Mas de um amor muito maior do que o de dois amantes. Maior que o amor de mãe. Maior que o “ama a teu próximo”. Maior que o amor de toda a humanidade. Tão grande que abarca todos os seres vivos. Mais ainda. É um grito de socorro pelo amor ao planeta Terra. Enfim, é o amor à própria Vida.

5) FIDELIDADE – Na elaboração da história, não fiz concessões de espécie alguma que me tirassem da fidelidade às teses oferecidas ao juízo do leitor. As descrições mais fortes não cederam aos cânones morais ou éticos. Porque o assunto é importante e deve ser tratado com realismo. E realismo se descreve com realidades.

O livro é um documento do século XXI. Nele mostro a insensibilidade dos governantes. Faço uma denúncia e um alerta. Jovens, principalmente aos jovens, conclamo a se conscientizarem, mobilizando-se na defesa do ambiente em que vão viver. Defendam o único planeta que os pode abrigar e alimentar e que será o lar de seus descendentes.

Para esclarecer melhor a razoabilidade da mensagem romanceada, informo os pontos reais destes últimos tempos em que me baseie para formular a obra, isso antes da publicação do 1º relatório do Painel da ONU.

a) denúncias esparsas de degradação ambiental feitas por diversos cientistas desde meados do século XX.
b) medidas governamentais restritivas à procriação na China e na Índia;
c) movimentos políticos com a criação de Partidos Verdes;
d) campanhas e ações efetivas do Greenpeace;
e) mobilização mundial na Eco Rio 92;
f) posicionamentos relativos ao Protocolo de Kyoto;
g) criação na França da Associação contra o Progresso;
h) uso cotidiano nas grandes cidades da China e Japão de máscara filtrante;
i) relatório ambiental da ONU em 1986.
j) relatório científico do Clube de Roma, estudo-projeção ambiental feito em 1971 (www.unicamp.br/nipe/fkurtz1htm);
k) início em 2005 de um programa computacional de projeção ambiental pela universidade de Tóquio, ainda não concluído;
l) relatório secreto do Pentágono prevendo catástrofes climáticas para 2020 (revista Carta Capital, ano 2004, citando como fonte as publicações inglesas, revista Fortune e o jornal The Observer, além da edição especial na internet da Scientific American, que apresentaram farta documentação;

Posteriormente, os fatos vêem confirmando a visão revolucionária do livro, principalmente no que diz respeito à necessidade de o mundo ser gerido por um órgão global.

6) LIMITAÇÕES – Eu não posso contar a história do livro. Mas posso abordar alguns aspectos relevantes. O verdadeiro protagonista nessa história é o tempo. No correr da leitura, o leitor vai notar que ele se encontra oculto. Não é um personagem fantasma, uma criação imaginária ou um ente fantástico com aparência deformada, mas está presente em todo o desenrolar da narração. Comparece no livro tal como o ponteiro das horas de um relógio tradicional. Vejam que o ponteiro dos segundos faz um movimento cíclico e todos notam. O ponteiro dos minutos, para quem tem vista muito boa, se move com muita lentidão, mas dá pra ver. Mas – e aí é que está o perigo – no ponteiro das horas, ninguém percebe o seu movimento e, como diria o celebre cientista Galileu Galilei, “no entanto, ele se move”. Ninguém vê, mas ele dá uma volta completa em 12 horas, fechando um ciclo do tempo e pontuando o ciclo maior chamado dia, que também registra o enigmático tempo. Quem pode negar isso? Pois bem: é esse personagem, agindo às ocultas, que pauta todo o desenrolar da trama e a realidade do nosso destino. E o tempo é terrível, inexorável, cruel e não volta atrás. Que o digam os mais vividos.

7) ESTILO – Este livro quase não tem metáforas. Geralmente, elas são figuras de estilo que servem para embelezar os textos, torná-los poéticos, para embalar em sonhos as almas dos leitores. Neste livro não cabem tais artifícios literários, pois aqui tratamos de fatos reais, assuntos muito sérios, concretos, graves, que destroem prejudiciais ilusões. No entanto, está recheado de reflexões filosóficas pertinentes ao tema. O leitor poderá meditar sobre diversas questões propostas no correr dos diálogos.

8) COERÊNCIA – O escritor deve ser coerente e honesto consigo mesmo ao registrar seu pensamento. Ele não finge; escreve o que sente, sob pena de ser acusado pela própria consciência. É diferente do escriba, que produz texto com o objetivo de atender a interesses. Aquele não se preocupa em agradar ou desagradar. Este sempre agrada aos seus patrões, aos interesses de época, às ideologias, a interesses econômicos. Estou dando essas explicações para justificar porque, em alguns momentos, a abordagem se mostra politicamente incorreta e antiética. Vejam que a Natureza desconhece inteiramente tais conceitos sócio-culturais quando se manifesta sob a forma de tsunamis, vulcões, terremotos e epidemias, matando milhares de pessoas. A verdade deve ser apresentada como é: nua, sem maquiagem.

Foi coragem e honestidade, mesmo. Entendo que não poderia ser de outra forma ao fazer uma descrição com a fidelidade que se espera de um documento histórico. Neste livro eu pus o dedo na ferida. Ferida, no caso, é simplesmente a realidade, tal como ela é. Pôr o dedo na ferida dói. E como dói!

Temos visto, ultimamente, pessoas bem intencionadas se apresentarem na televisão, sugerindo medidas suaves, superficiais, inócuas. Falam também em “desenvolvimento sustentado”. É puro jogo de palavras. Isso não existe. Isso devia ter sido observado no início da revolução industrial, no século 18. Agora é tarde. Temos é que recuperar o estrago feito. Temos é que iniciar o desenvolvimento ao contrário, isto é, o desdesenvolvimento. Ainda há tempo, mas tem que ser com urgência. Falam também em crédito-carbono. É outra enganação. Na verdade é até um acinte à nossa inteligência, se não for uma piada. Uma indústria na Holanda pode poluir desde que uma empresa brasileira deixe de poluir. É o vício da cultura comercial. Até com a desgraça do caos eles pretendem extrair lucros. Evidente que não vêem, não enxergam, não sentem, não percebem a claridade solar. Até quando, ó autoridades?

Como reflexo dessa onda ecológica, foi aprovada uma lei num Estado americano que torna obrigatório o uso de sacolas de papel no lugar dessas de plástico. Não deixa de ser um retorno civilizacional. Contudo, tal medida é inócua – se não for pior – pois a fabricação de sacolas da espécie implica aumento da atividade da indústria do papel, altamente poluidora e devoradora de cadáveres de árvores.

Tais medidas saneadoras, tão insignificantes e ingênuas, nada representam ante a gigantesca dilapidação que a civilização moderna produziu no planeta. A situação exige a exata conscientização do problema ambiental. E este livro mostra tudo, sem meias-palavras, sem hipocrisia. Este livro põe em evidência a gravidade do assunto, que requer medidas radicais e urgentes. A solução básica está num tripé. Um é a urgência de se tomar decisões, exigidas pelo senhor tempo. Os outros dois estão no livro.

9) DESTINAÇÃO – Os editores geralmente perguntam ao autor a que faixa de leitores se destina o livro a ser apreciado. Porque, segundo o assunto, esse ou aquele livro se destina aos interesses de ou de jovens, ou de professores, ou de mulheres, ou de empresários, ou distintas classes sociais ou profissionais. O livro ora apresentado se destina a todas as pessoas capazes de ler e que ainda estejam vivas. Não só as vivas. Imaginem que até os mortos, em seus túmulos, devem estar se inquietando de ansiedade pelo destino trágico de seus entes queridos, ainda vivos.

10) ARTIFÍCIOS – Após a leitura, os leitores terão condições de entender as verdadeiras dimensões dos alertas contidos nos relatórios do Painel Intergovernamental da ONU, de 2.500 cientistas, que tem sido largamente difundido pelos usuais meios de comunicação. Despachos da BBC, no entanto, informam que:

“A apresentação da segunda parte do relatório do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas da ONU, em Bruxelas, ocorre após uma noite inteira de negociações sobre os termos do documento, entre cientistas e representantes governamentais de todo o mundo”. Alguns países, como Estados Unidos, China, Índia e Arábia Saudita, fizeram objeções a capítulos importantes do relatório. Eles teriam pedido que a versão final fosse menos categórica do que os rascunhos apresentados.”

Vê-se que o relatório sofreu pressão política por parte dos paises interessados em preservar a dilapidação do planeta, com medo das conseqüências econômicas. Isso se chama irresponsabilidade. Se as artimanhas políticas conseguiram suavizar as palavras, não significa suavizar a realidade. Este livro não suaviza a realidade.

domingo, 11 de julho de 2010

HERZOG, O ÚLTIMO DIÁLOGO

Autor: Frei Betto

— Então, cara, não vai entregar nomes e endereços de seus camaradas no Partido Comunista?

Vladimir Herzog havia sido torturado horas no DOI-CODI de São Paulo. Ao ser intimado a prestar depoimento, a 24 de outubro de 1975, não vivia clandestino, morava em endereço fixo, trabalhava como jornalista, era casado e pai de dois filhos. Ao ser convocado à polícia, imaginou que ficaria ali tempo suficiente para prestar esclarecimentos. Retornaria para dormir em casa. Agora, tinha os pulsos marcados por fios de corrente elétrica e lesões provocadas pelos choques na uretra, no ânus e sob as unhas.

— Já disse que não estou ligado a nenhum partido – insistiu Vlado. — Tenho formação de esquerda, sou contra a ditadura, mas não exerço militância.

— Você não tem escolha, cara! Ou abre o bico ou te suicidamos. Se quer bancar o herói, vai se dar mal.

— Quem vai se dar mal são vocês. Morrer sei que vou mesmo, um dia, como todo mundo. Mas vocês, torturadores, assassinos, morrerão execrados. Nenhuma ditadura é eterna. Quando o Brasil retornar à democracia, terão de prestar contas do assassinato de Rubens Paiva, do martírio de Frei Tito, e de tantos desaparecimentos e eliminações extrajudiciais.

— Você acredita mesmo nisso? Deixa de ser trouxa, cara. Antes que a democracia volte, os generais farão uma lei nos eximindo de qualquer responsabilidade. Uma anistia geral e irrestrita. Porque, no Brasil, oficiais superiores são inimputáveis. Então, ninguém vai poder apurar nada. Se combatemos a subversão do nosso jeito, é para defender o Estado. A lei somos nós. Nós decidimos o que é certo ou errado.

— Engano seu. O futuro não esquece. Os crimes dos nazistas foram investigados e penalizados ao findar a Segunda Guerra Mundial. Enquanto houver um carrasco nazista refugiado mundo afora, ele será procurado e, capturado, sancionado. Tortura e extermínio extrajudicial são crimes de lesa-humanidade, imprescritíveis.

— Imprescritíveis na sua cabeça, cara. Aqui no Brasil a coisa é diferente. Os militares são intocáveis. Quem se atreve a desafiar os generais? Eles estão acima da lei. E nós, que sujamos as mãos sob ordens deles, temos costas largas.

— Posso sair morto daqui, suicidado por vocês, a exemplo de tantos que passaram pelos porões da ditadura, como Virgílio Gomes da Silva. Mas uma coisa é certa: apesar da venda nos olhos, a Justiça não é cega. Militares não sentam nas poltronas togadas do Supremo Tribunal Federal. Um dia esta corte haverá de reconhecer que responsáveis por crimes da ditadura não podem ser anistiados. Só merece anistia quem, primeiro, foi apontado como criminoso e devidamente castigado.

— Você, cara, como todo esquerdista, é um sonhador. Acha que, se um dia, eu fosse passar vergonha de fazer o que faço estaria aqui sujando as mãos de sangue? Fique tranqüilo, a gente vai fazer uma lei pra passar a borracha em todo esse período de exceção. Vocês também não serão punidos.

— Como não seremos? Nós já estamos sendo severamente punidos por lutar pela volta da democracia. Punidos com prisão, torturas, morte, desaparecimento, exílio, censura. Mas tenho confiança de que, cedo ou tarde, se fará justiça no Brasil.

— Cara, você é um idealista! Acha que neste país tem juiz com culhão para enfrentar os militares? Se um dia uma dessas instituições babacas que ficam por aí defendendo os direitos humanos, como a OAB e a CNBB, exigirem apuração, vão quebrar a cara. No Brasil a lei da força sempre falou mais alto que a força da lei. Não haverá juiz com coragem de nos levar à barra dos tribunais. Aqui, pra quem está por cima da carne seca, tudo termina em pizza. Dá-se um jeitinho. No Brasil, o poder sempre soube fazer omelete sem quebrar os ovos.

Vladimir Herzog foi suicidado no dia 25 de outubro de 1975. Tinha 38 anos. Segundo versão do Exército, enforcou-se com o próprio cinto. Regras do DOI-CODI determinavam que nenhum prisioneiro podia ser recolhido à cela de posse de cinto, gravata e cadarço de sapatos.

No dia 30 de abril de 2010, o STF decretou a segunda morte de Vladimir Herzog ao absolver, por 7 votos a 2, os crimes hediondos cometidos pela ditadura militar brasileira ao longo de 21 anos.

Frei Betto é escritor, autor de “Diário de Fernando – nos cárceres da ditadura militar brasileira” (Rocco), entre outros livros. http://freibetto.org.br – twitter: @freibetto

Fonte: Fábio Oliveira – fabioxoliveira2007@gmail.com
                                   Fabioxoliveira.blog.uol.com.br/

quinta-feira, 8 de julho de 2010

MISÉRIAS DA SOCIEDADE DE CONSUMO

Transcrevemos abaixo importante artigo do senhor Vilmar Berna, renomado ambientalista.



“Segundo cientistas, se todos os países adotassem o mesmo estilo de desenvolvimento dos chamados países do Primeiro Mundo, seriam necessários cerca de quatro planetas terra de recursos naturais e, como só temos um, a conclusão é muito simples: os que podem estão avançando sobre os recursos dos que não tem como impedir o saque. E por que os oprimidos não reagem? Por que estão contentes com a situação e nem pensam em se libertarem. Muito pelo contrário! Bombardeados o tempo todo por uma informação comprometida com o consumo, as pessoas passaram a acreditar que não há nada de errado com a Sociedade de Consumo, onde se diz que as oportunidades são iguais para todos. Se a pessoa se esforçar mais, trabalhar mais e melhor, se endividar e pagar as prestações, então alcançará os mesmos patamares de consumo e de qualidade de vida dos ricos e famosos!

Ninguém gosta da pobreza muito menos apóia desigualdades, mas é graças à existência de tais misérias em nossas sociedades que uns podem acumular mais que os outros. Gandhi alertou que existem recursos no planeta para todos, mas não para a ganância de uns poucos e que a paz é fruto da justiça.

Paulo Freire afirmava que o grande papel da educação deveria ser o de libertar as pessoas da escravidão do consumismo. Entretanto, somos estimulados o tempo todo, desde criancinhas, e por todos os meios a consumir sem parar! Ao invés de tentarmos nos libertar, ou de questionarmos este modelo, queremos consumir mais e mais, num padrão tão elevado quanto o dos ricos e famosos, incensados pela mídia para que os tomemos como modelo a serem seguidos e invejados.

Os shoppings tornaram-se templos de consumo do deus Mercado, verdadeiras ilhas da fantasia onde até o ar que se respira tem a temperatura controlada. A moda, a propaganda e a informação - comprometidas com este modelo - são os principais carros-chefe dessa nova religião e cumprem o papel de dar velocidade e legitimidade ao consumo, criando novos desejos e necessidades, tornando o novo já ultrapassado e obsoleto assim que o consumidor sair da loja.

Somos levados a confundir a posse de bens com felicidade e reconhecimento social, e a nos avaliarmos não pelo que somos, mas pelo que possuímos. Somos induzidos a consumir não por que precisamos, mas por que merecemos, desejamos, podemos. A falta de dinheiro, que deveria funcionar com um limitador, é superada rapidamente pelo crédito fácil e prestações a perder de vista que beiram a irresponsabilidade. Os consumidores acabam escravizados às suas dívidas, obrigando-se a dedicarem as melhores horas de suas vidas ao trabalho, para gerar os excedentes que os permitam pagar suas dívidas e adquirirem logo novas modernidades muitas das vezes nem tão necessárias assim.

O tempo passou a ser o bem mais precioso e as pessoas passaram a dedicá-lo quase todo ao trabalho e mal conseguem ter tempo para elas próprias, para suas famílias, para cultivar uma arte, um esporte, um lazer, ler um livro, ouvir uma música, dançar, reunir com os amigos. Tendemos a passar mais tempo com os colegas do trabalho que com nossa família, filhos ou a pessoa amada. Não temos mais tempo para comer com calma, e comer virou uma forma de tentar preencher o vazio e a ansiedade. As cidades estão cada vez mais cheias de gente solitária que tentam preencher este vazio com mais consumo.

Entretanto, enquanto uns perdem a liberdade, outros perdem a vida. O desemprego está entre um dos principais motivos para os suicídios, por que, numa sociedade de consumo, pessoas que não conseguem ganhar dinheiro, sentem-se um peso para as demais. Pessoas depressivas e solitárias também se matam diante das frustrações ao descobrirem que a posse de bens de consumo e de riquezas não se converteu nas prometidas felicidade, prazer e reconhecimento social. A própria vida humana perde importância, já que só é importante o que tem preço e não o que tem valor. E como a vida não tem preço, então, não interessa para o negócio. Vidas fora do mercado não interessam, por que são vistas como uma espécie de peso para os demais. Estão neste rol os aposentados, as crianças, os inválidos, os desempregados. Por isso não se deve tratar como casos isolados quando jovens bem nascidos, com boa formação, que têm de tudo, não conseguem perceber o que pode haver de mal em queimar mendigos, surrar prostitutas ou matar os pais e avós que lhes negam dinheiro para comprar drogas. Para nosso horror e infelicidade, são demonstrações de uma sociedade doente, e pior, que não quer se tratar por que sequer reconhece o problema.

A tarefa de educar os filhos acabou transferida para os professores e as empregadas domésticas - quando existem -, e confia-se cada vez mais na babá-televisão e mais recentemente na babá-videogame para entreter e compensar as crianças pela ausência dos pais. Alguns pais tentam administrar os filhos e a vida doméstica através do celular, e é comum trocarem o afeto e a presença por brinquedos, mesada em dinheiro, presentes, que poderão acabar corrompendo o espírito das crianças transformando-as em consumidoras vorazes no futuro como forma de tentar superar frustrações e tristezas.

Cada vez mais as pessoas estão sendo levadas a perseguir um modelo de consumo inalcançável e que só fará manter os pobres mais pobres e escravizados à necessidade de trabalhar sem descanso a vida toda, deixando atrás de si famílias desestruturadas, pessoas ansiosas, e um planeta arrasado.”



* Vilmar é escritor, com dezoito livros publicados, e jornalista, editor da Revista do Meio Ambiente e do http://www.portaldomeioambiente.org.br/ Por suas lutas pela democratização da informação ambiental e formação da cidadania socioambiental, recebeu em 1999, o Prêmio Global 500 da ONU Para o Meio Ambiente e, em 2003, o Prêmio Verde das Américas. Site do escritor: http://www.escritorvilmarberna.com.br/

Fonte: Fábio Oliveira – fabioxoliveira2007@gmail.com

Fabioxoliveira.blog.uol.com.br/

segunda-feira, 5 de julho de 2010

ARSÊNIO NO CANADÁ DOS OUTROS É REFRESCO

Transcrevemos abaixo importante revelação feita a respeito da mineração de ouro em Paracatu (MG).
Artigo de Serrano Neves e Sérgio Dani

"[EcoDebate] Em Yellowknife, noroeste do Canadá, o governo enfrenta lidar com 250.000 toneladas de trióxido de arsênio acumulados em uma mina subterrânea desativada, a um custo de 250 milhões de dólares.

Os canadenses encontraram uma alternativa mais barata de remediação dos efeitos do arsênio a um custo de 120 milhões de dólares num processo que duraria 20 anos.

A mina teve início em 1951 e parou de produzir em 2005. Correram 57 anos (1951/2008) sem que o arsênio tivesse sido posto sob controle, e tal ocorreu por falência da mineradora, inexistência de depósito garantidor do fechamento ou descomissionamento e ausência de compradores que quisessem assumir o passivo ambiental.

Em Yellowknife ocorreram mortes diretas e os recursos hídricos estão poluídos.

O custo para lidar com o problema foi de 1.000 dólares por tonelada de arsênio, ou 1 dólar por quilo.

Em Paracatu existe a previsão da acumulação de 1 milhão de toneladas de arsênio presente em 1 bilhão de toneladas de rejeitos acumulados na barragem do Machadinho.

Cálculo fácil: 1.000.000 [um milhão] de toneladas é igual a 1.000.000.000 [um bilhão] de quilos, o que a 1 dólar por quilo dá 1.000.000.000 [um bilhão] de dólares.

O contribuinte canadense (PIB de 30 mil dólares/cidadão) vai pagar a conta.

No Brasil o esforço do contribuinte brasileiro (PIB de 3 mil dólares/cidadão) seria 10 vezes maior.

Ou seja, o que o Canadá não consegue fazer o Brasil conseguiria fazer apenas a décima parte, ou não conseguiria e Paracatu ficaria com um problema 4 vezes maior.

E chamam isto de desenvolvimento e de geração de emprego e renda.

Na verdade, o desenvolvimento, o emprego e a renda estão sendo comprados e a moeda de pagamento é o meio ambiente, a saúde e a vida.

Cada 1 tonelada de rocha gera 0,4 gramas de ouro, ou 1 grama por cada 2,5 toneladas de rocha nas quais existem 2,5 quilos de arsênio. Feitos os cálculos chega-se a que os custos de remediação importam em cerca de 6,3% do valor bruto do ouro extraído.

Considerando-se as peculiaridades do caso de Paracatu, estima-se que esses custos estejam aumentados de 5 a 10 vezes [1], ou 5 a 10 dólares por quilo de arsênio, resultando em 31,5% a 63% do valor bruto do ouro extraído.

Como o controle não é feito no tempo real de mineração os 6,3% a 63% significam mais lucro embolsado pelos acionistas da mineradora [2].

Enfim, tiram o ouro e enfiam o arsênio no nosso Canadá.

Notas:

[1] Os impactos socio-economico e ambiental e os custos de remediação em Paracatu são muito maiores comparativamente a Yellowknife por várias razões, entre elas: (i) em Paracatu a mina é a céu aberto dentro do perímetro urbano; (ii) a concentração de ouro no minério de Paracatu (0,4 g/tonelada de minério) é muito mais baixa que a de Yellowknife (5,6 g/tonelada), e a concentração de enxofre e arsênio é mais alta (arsenopirita, FeAsS), gerando volume muito maior de rejeitos contaminados por arsênio inorgânico e sulfatos em Paracatu; (iii) os enormes volumes de rejeitos da mineração em Paracatu serão depositados diretamente sobre a parte leste (mais alta) do Sistema Hidrogeológico da Serra da Anta, que é o único manancial de abastecimento público de água potável da cidade de 90 mil habitantes; (iv) o clima de Paracatu é caracterizado por estações de secas e chuvosas bem definidas e temperaturas médias muito mais altas que em Yellowknife (Yellowknife: temperaturas médias mínima -30C, máxima 21C; precipitação anual 280 mm. Paracatu: temperaturas médias mínima 14C, máxima 32C; precipitação anual 1500 mm), isso significa que a mobilização do arsênio na mina e nos depósitos de rejeitos em Paracatu está aumentada de pelo menos uma ordem de grandeza, relativamente a Yellowknife; (v) a população de Paracatu (90 mil habitantes, PIB/capita 3 mil dólares) é muito maior e mais pobre que a de Yellowknife (19 mil habitantes, PIB/capita 30 mil dólares). Esses números indicam um impacto socio-economico aumentado de pelo menos 5 vezes (considerando apenas o número de habitantes), e impacto ambiental aumentado de pelo menos 10 vezes (considerando apenas a massa de arsênio mobilizável) em Paracatu, relativamente a Yellowknife. Os custos de remediação estão respectivamente aumentados de 5 a 10 vezes. Ou seja, os custos de remediação em Paracatu estão estimados entre 5 a 10 bilhões de dólares.

[2] Entre os acionistas da mineradora canadense RPM/Kinross Gold Corporation está o próprio governo do Canadá que investiu na mineradora através da agência governamental de desenvolvimento, a EDC. Ao apoiar a atividade de suas mineradoras no exterior, o governo canadense talvez esteja tentando pagar a remediação ambiental das minas localizadas no território canadense às custas da vida, da saúde e do ambiente em outras partes do mundo."

* Serrano Neves é Procurador de Justiça Criminal em Goiás

** Sergio Dani é doutor em medicina

EcoDebate, 05/07/2010