terça-feira, 23 de novembro de 2010

CONSUMO É O OXIGÊNIO DO CAPITALISMO

A partir do século XVIII, as guerras, quando não motivadas por interesses econômicos, foram salutares para esses mesmos objetivos, representados pelos oportunistas encastelados nos países com vocação imperialista. O esqueleto econômico do sistema capitalista foi se fortalecendo, chegando ao estágio de patrocinar e escolher os governantes de uma nação.

Os acontecimentos de 2008, classificados de graves, deram ao tesouro de cada país o recado: “me salve ou arrasto todos para o buraco”. E o conjunto governamental de um país se viu na situação de atender a essa ameaça, por não ter outro caminho a seguir. Afinal, a construção política de um país é desenhada segundo os interesses econômicos das grandes empresas que têm o verdadeiro poder de mando.

Com isso, o dinheiro entesourado provindo dos tributos pagos pela sociedade consumidora é desviado para acudir as corporações econômicas, principalmente os Bancos que são os condutores e intermediários dos valores virtuais atribuídos a um pedaço de papel chamada dinheiro e que tem o atributo de se reproduzir pelo artifício dos juros.

O mundo financeiro, sustentáculo da economia de mercado – cujo objetivo é o lucro –, se preocupa apenas com o futuro de curto prazo. Os gestores desse universo há muito tempo se acostumaram a viver com os olhos e pensamento no porvir, sempre com a visão no fator segurança. O presente lhes está assegurado pelos executivos máximos, os governantes dos diversos setores geográficos a que se dá o nome de país. Este pode mudar de chefe, mas seu status econômico permanece inalterado face à constante vigilância dos mecanismos de controle político.

Todos os grandes movimentos e transações, por se fundamentarem no futuro, não se utilizam dos meios de pagamento, que são as moedas correntes. Para isso, lançam mão de um artifício urdido para sustentar a corrente financeira. Trata-se do crédito, um saque sobre o futuro. O que é crédito? Simplesmente, confiança. E construíram um mundo imerso na cultura econômica, com apoio exclusivamente na confiança.

Se um cidadão vende um bem para ser pago com 30 dias, isso significa que o vendedor acredita que o comprador terá o dinheiro no prazo ajustado. Nesse caso, há o risco individual. Por isso, faz-se a análise prévia da “possibilidade de pagamento” do devedor no final dos 30 dias.

Uma empresa age da mesma forma em relação a outra que lhe pretende adquirir algo a prazo. Esse algo pode ser algum bem, direitos ou mesmo o próprio dinheiro. Todos têm em vista unicamente o resultado final, o lucro. De qualquer forma, esse crédito é representado por um título que muda de nome conforme os tipos do negócio. A rigor, esse título representa um dinheiro que não existe, mas é prometido para o futuro; um futuro incerto, do vamos ver, do faz-de-conta.

Agora, entram os Bancos. Eles captam dinheiro dos cidadãos e o emprestam com certa margem de ganho. Mas o melhor negócio é emprestar para o governo de um país. Por quê? Porque ele representa risco praticamente zero, teoricamente não quebra e o titular é manipulado pela classe empresarial. Esses papéis são rolados indefinidamente pelo governo, sempre acrescidos dos juros. A criação de tais créditos equivale à emissão de dinheiro sem a representatividade de bens. Esse é um modo de engaiolar a inflação.

Recentemente, houve a reunião do G-20 em Seul para encontrarem uma solução para o problema financeiro mundial. Nada foi resolvido porque o mundo é retalhado em países e não podem contrariar os interesses da malha econômica que se estende às empresas nacionais. Além disso, todos se preocupam em aplicar seus recursos – mesmo sem lucratividade – com segurança. Acontece que seguro – seguro mesmo – não existe. Nem em ouro, porque afinal ele não é comestível. Segundo nosso pensamento, a aplicação universal mais segura é a representada por gado no pasto. Em qualquer ocasião, essa aplicação é conversível em alimento.

No acordo de Bretton Woods, quando ficou estabelecida, por imposição dos EEUU, a paridade dólar-ouro, o mundo tornou-se refém dos interesses americanos. Em 1971, por não agüentarem o peso da responsabilidade, aquele país eximiu-se do compromisso, dando um calote enorme nos outros países. Estes não deram nem um pio de protesto, pois quem iria contestar o rugido do “leão”, fortalecido com a posse de quase todo o ouro mundial e 737 bases militares no planeta?

Contudo, as moedas nacionais continuaram atreladas ao dólar por causa da posse americana do ouro e economia forte, e os demais países não tinham um referencial melhor. Agora, com a crise financeira, provocada pela abusiva existência fictícia de ativos, o dólar está cada vez mais desvalorizado, levando de roldão as demais moedas. Para se defenderem, os Bancos Centrais das outras nações compram o dólar, o que alimenta o fantasma da deflação. Num período de deflação japonesa, que durou uma década, o governo desse país chegou a distribuir dinheiro para seus habitantes com a finalidade de sustentar o consumo.

Foi nesse cenário que o governo americano emitiu de 600 bilhões de dólares por compra de títulos do governo e mais 300 bilhões com outras medidas manhosas, para forçar os Bancos e investidores a colocarem esses ativos na ciranda do consumo. Isso nos faz lembrar a fartura do marco alemão, nos anos 1920, e suas dolorosas conseqüências quando o governo o extinguiu.

Como já dito acima, o dólar é um simples vale. Ele tem o valor da confiança que se vota no emitente; mas só até quando ele agüentar. Enquanto o povo está consumindo, está gerando o oxigênio dessa estrutura gigantesca toda. Atualmente, o mundo financeiro em geral está sentindo falta de ar. Precisa de mais e mais consumo. Coitado do planeta!

O consumo, que move todo o organismo econômico, acarreta lixo que ocasiona poluição que destrói o meio ambiente e leva a humanidade a lento processo de suicídio.

terça-feira, 9 de novembro de 2010

SOMOS PRAGA NO PLANETA

Praga tem diversas acepções, mas a definição objeto de nossas considerações é simplesmente a que se refere à quantidade excessiva de um fator num sistema, desqualificando o próprio sistema. Em outras palavras: presença em quantidade superior à que um sistema coeso consegue suportar. Essa situação só pode ocasionar o desequilíbrio entre as forças de qualquer ambiente, causando o desarranjo harmônico entre as partes e, consequentemente, o caos.

Sobre esse princípio são construídas as principais máquinas destrutivas para a guerra. Um exemplo simples é o da granada. Contido em espaço restrito, numa situação de estabilidade, basta o conteúdo ser transformado em gás para que ele cumpra sua missão química de expansão, causando a desordem pontual e suas calamitosas conseqüências. O poder destrutivo da granada se deve à extrema rapidez – praticamente instantânea – da ocorrência das fases do processo.

No campo biológico, ocorre o mesmo roteiro apontado acima, só que em tempo muito mais lento. O dano, no entanto, pode ser considerado equivalente.

Quando um agricultor verifica que apareceram insetos sugadores (digamos, o percevejo verde) em sua lavoura de soja, contrata um agrônomo para cuidar do problema. O profissional comparece ao campo de plantio e faz uma análise da situação. Colhe uma amostra estratificada e faz seu ajuizamento, no qual pondera diversas circunstâncias: tamanho e estágio vegetativo da lavoura, índice da incidência dos insetos, cálculos sobre capacidade de produção, custos diversos, etc. Após ponderar os dados obtidos, formará um juízo técnico para a ocasião.

Poderá dizer ao agricultor que nada deve ser feito no combate aos insetos no momento. Acrescentará, naturalmente, que a invasão ainda não constitui uma ameaça à lucratividade da colheita estimada. Seu veredito vale para aquela visita, em função do aspecto econômico. Suas análises semanais posteriores guiarão as conclusões parciais ou definitivas.

Enquanto o agrônomo trabalha, os hóspedes indesejados, inocentes e alheios a tudo, continuam no seu labor natural de vida. Estão ali, num campo farto de alimento e cumprem o objetivo natural da reprodução. O instinto não lhes informa nem eles são capazes de medir as conseqüências do crescimento populacional. Prosseguem o roteiro natural, em obediência ao imperativo genético. Não sabem que, ao atingirem certo índice de infestação, o agrônomo decretará a mudança do seu nome: de percevejo para praga, nome genérico terrível que iguala todos os seres que se atrevam a serem protagonistas do desequilíbrio ambiental.

A reação será violenta. É uma situação extrema de luta de vida ou morte. Nessa qualificação de praga, a decisão do profissional não mais será a de tolerância, mas a de combate mortal com uso de todo o arsenal disponível, inclusive o químico. Assim, a tragédia da mortandade naquele ambiente agrícola será irreversível. Os agrotóxicos varrerão da vida todos os habitantes da cultura, inclusive os inocentes insetos benéficos que ali estavam tentando manter o equilíbrio biológico.

Se tal lavoura fosse deixada ao seu próprio destino, sem assistência do profissional, o prejuízo para o lavrador seria total. Como fonte alimentícia para o percevejo, tenderia ao esgotamento total, levando à inanição e morte toda a comunidade hospedeira. As disponibilidades ambientais se extinguiriam e a situação mudaria para um estado caótico em que a tragédia não pouparia ninguém e somente a Natureza saberia como estabilizar.

O animal humano, que se faz representar em todo o globo por sua população de quase 7 bilhões de indivíduos, com sua visão egoística e interferindo na dinâmica ecológica da terra, dos rios, dos mares, da atmosfera, provoca os mesmos danos que o percevejo da soja. A diferença é que, no exemplo citado, fizemos um enfoque no trabalho de um agricultor mantendo um objetivo produtivo. Já no enfoque da situação real por que passa o planeta em seus recursos, a fome dos humanos é contínua e geometricamente cumulativa: fome alimentícia; fome de lucro; fome de comodismo; fome de grandeza; fome de supérfluos; fome de entesouramento. Segundo os cálculos atualizados, as ações humanas retiram do planeta 40% a mais do que ele consegue disponibilizar pela dinâmica natural. Há, portanto, uma queima de capital, um déficit de recursos, uma desproporcionalidade, um desequilíbrio ambiental gravíssimo. Estamos gastando o futuro para o qual nossos descendentes nascerão munidos da vã esperança de viver em ambiente sustentável.

Alguns animais demonstram possuir um instinto muito mais eficiente que a inteligência humana. Ante a visão crítica de uma superpopulação, certos animais procedem de modo inteiramente racional. O lemingue do norte-europeu resolve o problema com o suicídio em massa. As abelhas excedentes de uma colméia abandonam o lar numa revoada incerta, procurando formar nova colônia. As lulas entram em coma pré-morte sobre seus próprios ovos, numa fantástica demonstração de renúncia à vida-elo em beneficio à vida-corrente.

Não estamos recomendando suicídio a ninguém, mas sugerimos que o animal humano tem a capacidade mental de equacionar e solucionar seus problemas existenciais. Ainda há um tempo curtíssimo, mas alertamos que aos poucos ele se esvai, e a solução se tornará impossível.

Considerada a pegada ecológica, a população mundial equivale, no mínimo, a 100 vezes seu número nominal. Por isso, mudamos de nome. Não somos mais o animal racional, o rei dos seres vivos, o centro do universo; somos simplesmente praga. Deixamos de ser animais racionais para sermos predadores da própria mãe Terra, aquela que nos fornece, com amor e ternura, abrigo, alimento, vida.

Dois fatores incisivos nos levam a essa situação trágica: o antropocentrismo e a ganância. Nós nos esquecemos que o ecossistema inclui a biodiversidade e que nossa individualidade é transitória. Nós, como animal humano, não somos indivíduos, somos a humanidade, parte do todo planetário.

Nessa situação, só nos resta aguardar que um agrônomo celestial venha salvar a Vida planetária, tirando-nos a existência e toda a riqueza material que, paradoxalmente, teimamos em acumular.

Somos praga no planeta. Não aceitamos esse nome, pois o egocentrismo de espécie cega nossa razão. Contudo, essa cegueira não impede que sejamos praga e, nessa qualidade, já selamos nosso destino.

segunda-feira, 8 de novembro de 2010

A CAUSA AMBIENTALISTA É UM COMPROMISSO DE VIDA

Artigo de Henrique Cortez, transcrito do portal “EcoDebate” nº 1214, de 8.11.2010.

O tom irado com que diversos ambientalistas estão se manifestando indica o nosso grau de frustração, mas também demonstra desesperança e um alto grau de intolerância, indicando que estamos perdendo o contato com alguns conceitos essenciais do ambientalismo. Não é e nunca foi fácil ser ambientalista.

Acredito que, sempre que possível, devemos compartilhar experiências e opiniões com nossos companheiros e é exatamente isto que estou fazendo. Como o texto é longo, por ser uma reflexão pessoal, vocês decidem se lêem ou ignoram. Também tentarei dividir minhas experiências e opiniões.

Vocês decidem o que é interessante ou o que é bobagem.

Muitos dos que participam das listas de discussão sobre meio ambiente estão atuando no movimento ambiental há pouco tempo. Isto é bom porque demonstra o crescimento da consciência ambiental, ao mesmo tempo em que traz uma nova energia, de fundamental importância à causa sócio-ambiental e aos velhos companheiros, que já estão cansados e céticos.

Em primeiro lugar, sugiro que tenhamos um extremo cuidado com os “grandes temas” ambientais.

Explico melhor, citando alguns “grandes temas”: aumento da erosão e desertificação, atualmente estimada em mais de 20 milhões de hectares/ano; destruição das florestas tropicais na média de 10 milhões de hectares/ano; intensa redução da biodiversidade pela extinção de centenas de espécies animais e vegetais por ano; crescimento populacional; etc.

Que podemos fazer para combater a erosão e desertificação ou evitar a destruição das florestas tropicais, além de cuidar melhor de nossas samambaias. Em que posso contribuir para combater a destruição das florestas tropicais ou para evitar a extinção da rã arborícola da Costa Rica ou o Mico Leão? Até podemos reduzir a nossa contribuição pessoal e familiar para o crescimento populacional, mas e o vizinho?

O problema essencial ao grande tema é a sua dimensão global, o que o torna paralisante. No nosso cotidiano pouco ou nada podemos fazer para mudar estes desastres anunciados e por isto ficamos com a frustrante sensação de que nada podemos fazer. No entanto existem centenas de ações que podemos fazer diariamente e incontáveis mudanças de atitude e comportamento que podem transformar a nossa qualidade de vida, logo contribuindo com a nossa microscópica parte de responsabilidade nos grandes temas.

Citando Sêneca – “pequena é a parte da vida que vivemos”. Mas, mesmo pequena, ainda há muito em que podemos ajudar ou, no mínimo, atrapalhar menos.

Cada um de nós pode e deve fazer o que estiver ao seu alcance. O resultado final, com a soma de todas a contribuições individuais, será imenso, no mesmo conceito da bioconexão, tão importante para o equilíbrio dinâmico da natureza.

O segundo passo é compreender que somos uma minoria e pagamos o preço disto. O primeiro revide é a desqualificação. Todo ambientalista minimamente sério já aprendeu a lidar com a desqualificação.

Recebemos os mais variados adjetivos – comunistas viúvas de Stalin; órfãos do muro de Berlim; mauricinhos neoliberais; pequeno-burgueses, eco-chatos; românticos; piegas; elitistas; inimigos do progresso; inimigos dos seres humanos; etc. Aliás, um dos que mais gosto é o que diz que ‘gostamos mais de bichos do que de gente e por isto não nos importamos com as pessoas‘. Ainda assim e mesmo com estes adjetivos continuamos nosso trabalho da melhor forma que conseguimos, porque realmente acreditamos no que fazemos.

Em terceiro, está a compreensão da importância da nossa própria diversidade e que ninguém é melhor do que o outro. Meio ambiente é um tema transversal e multidisciplinar, razão pela qual direta ou indiretamente interessa a todos, de acordo com as suas vocações e afinidades.

É por isto que tantos temas diferentes aparecem nos grupos de discussão ambientais. Simplesmente porque tudo se relaciona com o meio ambiente. Nós é que escolhemos o que pessoalmente nos interessa ou não.

Não importa se atuamos na defesa dos animais, das florestas, do ar, da água, dos gnomos e fadas…

Repito que o importante é a soma de nossas contribuições individuais. Acredito, sinceramente, que o resultado coletivo é transformador.

De qualquer modo, em que pesem as diferenças de nossas “tribos” temáticas, acredito que alguns pontos em comum nos unem:

* Acreditamos que somos responsáveis para com o nosso planeta e para com as próximas gerações, para as quais temos a pretensão de deixar um planeta melhor do que recebemos;

* Somos pacifistas e expressamos este compromisso para com a paz, quer seja no oriente médio ou na nossa própria casa. É por isto que o discurso agressivo é um equívoco, tal como incentivar as crianças a serem “guerreiros da natureza”. Pior ainda os que acreditam nas ações destrutivas, como os ecoterroristas, que felizmente são raros, mas ainda assim prestam um inimaginável desserviço causa ambiental.

* Além da biodiversidade, defendemos e respeitamos a nossa própria diversidade, de raças, gêneros, cultura, opinião, expressão, pensamento e opções pessoais. Temos o direito de experimentar e errar.

A própria natureza “experimenta” como demonstram as experiências evolutivas. Costumo brincar dizendo que a natureza também faz rascunhos, citando como exemplo o ornitorrinco.

* Somos democratas. Todo aquele que acredita que nossos problemas possam ser resolvidos por decisões e ações autoritárias e autocráticas presta um desserviço à causa ambiental e à sociedade como um todo. Ninguém possui as respostas para tantos problemas complexos, cuja solução exigirá a contribuição de todos.

* Nossa militância integra conceitos socioambientais com fundamentos técnicos e metodologia cientifica. Ao mesmo tempo, temos que compreender as nossas próprias limitações e que somente poderemos melhorar nossa sociedade e o meio ambiente se realmente tentarmos melhorar a nós mesmos.

* Compreendemos claramente nossa integração e interação com todos os demais movimentos sociais por que, cada um a sua maneira, todos buscamos a construção de um país e um mundo melhor, mais justo, responsável e igualitário.

Como veem não é nada fácil ser ambientalista. Poucos assuntos causam tanta polêmica quanto as questões socioambientais. Isto é natural, tendo em vista a sua imensa complexidade e incontáveis desafios. Nosso conhecimento técnico-científico ainda está sendo desenvolvido e até ser completado, se é que isto acontecerá, teremos mais dúvidas do que certezas.

Existe uma estória, incorporada ao folclore cientifico, em que Einstein entregou à secretaria da Universidade de Princeton as questões da prova final de física. A funcionária da secretaria estranhou as perguntas porque elas eram as mesmas da prova de três anos antes, ao que Einstein respondeu que as perguntas eram as mesmas, mas as respostas agora eram outras. Folclore à parte, isto é verdade em temas ambientais.

De qualquer forma, o debate é necessário porque, sendo um tema multi e interdisciplinar, o meio ambiente exige grandes discussões. Ninguém possui todas as respostas porque ninguém possui a total percepção de todas as interações e implicações possíveis. É necessário pesquisar, analisar e debater.

De um modo ou de outro, não podemos perder o contato com alguns dos mais essenciais conceitos do ambientalismo. O respeito ao outro, por exemplo.

Henrique Cortez, henriquecortez{at}ecodebate.com.br
Coordenador Editorial do Portal EcoDebate

quarta-feira, 3 de novembro de 2010

NÃO EXISTE JUSTIÇA NO BRASIL

Estamos assistindo a essa novela ridícula e sem direção sobre a aplicabilidade da lei “ficha limpa”, protagonizada pelos deuses do Olimpo Brasiliense. Os atores param em plena cena e discutem entre si sobre o “sexo dos anjos”, deixando que o processo eleitoral, como um rio caudaloso, siga seu rumo ladeira abaixo. Depois, com seus incríveis poderes de onisciência, resolvam inverter o curso ou diluir a configuração das vontades populares.

Isso nos faz lembrar de fato ocorrido há pouco tempo entre dois médicos. Enquanto o enfermo ao lado falecia sem atendimento, os dois profissionais ficaram batendo boca sobre uma minúcia de técnica operatória.

Não sabemos se estamos redigindo sobre “ficha limpa” ou “ficha suja”, tão confusa a trama de egos. Dos fatos a que temos presenciado na área do Judiciário, ocorrem-nos idéias sobre se, afinal, temos ou não justiça neste país.

No caso em foco, por duas vezes a votação do sim ou do não ficou empatada em cinco a cinco. Só por esse fato, verifica-se que a verdade e a decisão não são satisfeitas; ficam sempre dependentes de entendimento pessoal de cada togado. No entanto, a convicção de certeza de cada um é inabalável. Sobre o quê? Sobre a justiça? Não. A justiça não é objeto de suas preocupações. Sua atenção está voltada para a interpretação de leis. Não nos vamos enveredar pelo conceito de lei para não tornar longo este pequeno artigo.

Certa vez, conversando com um amigo, advogado, sobre determinada lei federal, confusa, irracional, esdrúxula, fizemos a seguinte pergunta: “se fosse você o autor dessa lei, produziria essas absurdas incongruências?” Seriamente, ele respondeu: “faria até mais complicada. Para nós, advogados, quanto mais interpretações jurídicas, melhor; mais rende recursos”.

Para coroar essa paralisia de decisões, o Sr. Presidente do STF se nega a exercer a função mais importante e própria da posição: desempatar com o chamado voto de Minerva. Não passa pela cabeça dos nossos ilustres juízes que a função de um togado é decidir e não buscar a exatidão na interpretação de leis, já criadas no nascedouro para confundir. Mas estão acostumados a postergar...

Com raríssimas exceções, os juízes brasileiros, conduzem suas funções exclusivamente pautadas pela lei. Ora, para isso, não haveria necessidade desse colossal arcabouço de burocracia, sustentado por uma cornucópia abastecida com os impostos retirados do trabalho árduo do povo. Bastaria que um técnico em informática programasse todas as leis no computador. Não precisaríamos mais de juiz nem dessa parafernália torturante. Bastaria que um funcionário público apertasse os botões adequados. E pronto. Teríamos uma única instância. Apenas. Mais nada. Isso vale para o enfoque de aplicação de leis, que é onde o Judiciário se agarra. Continuaríamos a não ter justiça, mas, por preço infinitamente menor, teríamos uma decisão na ponta dos dedos.

Para se obter justiça, a visão é completamente diferente. Aí, sim, haveria os impolutos e sábios magistrados. A sentença se firmaria sobre a consciência imparcial do julgador. E bastaria uma instância, de caráter local. As leis serviriam apenas como norteadoras de rumo, tanto para o juiz como para a sociedade. Entendemos que a Justiça está acima das leis

É comum ouvir-se em discursos, a expressão justificante: “a justiça no Brasil tarda, mas não falha.” Ora, só de tardar já está falhando. E muito. Há processos que estão rolando sem solução por mais de 50 anos. Outros simplesmente desaparecem. Outros tantos são decididos em poucas horas. Um concede, outro cassa, estoutro anula a cassação. Onde ficam a soberania, a decência, a pureza da justiça? Todos sabem das amarguras que os processos judiciais trazem para os litigantes.

A justiça no Brasil é representada por uma deusa romana cega, surda e muda, sem a balança e a espada que sumiram. Não temos Justiça no Brasil: temos um dragão com mil cabeças, cujos cabelos estão completamente emaranhados e que se chama Judiciário.

Sob esse amparo que não protege está o meio ambiente, eterna vítima silenciosa das interpretações e postergações dos agentes de uma estrutura faraônica, imobilizada na balança que não pende e na espada que corta de um lado só.

Essa engrenagem, que deveria ter a Justiça como alvo, está intricada pelo poder equivocado do Judiciário que insiste em decifrar leis.

Justiça trata da essência do que é justo e deve reinar. Judiciário se ocupa com as formalidades, ritos, firulas e astúcias das leis.