terça-feira, 25 de outubro de 2011

OS ECONOMISTAS E O MEIO AMBIENTE

Autor: Marcus Eduardo de Oliveira

A relação dos economistas com o meio ambiente passa, indubitavelmente, pela seguinte pergunta: Quando é que os economistas vão entender definitivamente que a economia é apenas um subsistema do meio ambiente?

Tal qual ocorre com o debate em torno da necessidade de se incluir as pessoas nas análises econômicas, fato esse quase sempre ignorado pela economia tradicional, também a questão do meio ambiente e sua relação com o todo da economia enfrenta certa resistência. Inserir essas duas análises (pessoas e meio ambiente) no conjunto da economia não é tarefa fácil.

No caso específico das relações do processo econômico com a natureza essa dificuldade se agrava pelo seguinte fato: a tradicional economia sempre viu a natureza como mera participante do processo produtivo, o que é um erro crasso, pois, com isso, não se leva em conta que essa mesma economia precisa da natureza, e não o contrário.

De toda sorte, a economia jamais pode ser pensada, ensinada e mesmo levada a sério em seu arcabouço teórico e analítico partindo-se do pressuposto de que o diagramado fluxo circular é hermeticamente fechado, isolado e restrito; como se com isso não houvesse nada mais além das famílias e empresas, insumos, renda e despesas, convivendo-se num mercado de fatores de produção apontando apenas para o produto final. Ora, considerar o fluxo circular como um dos principais paradigmas da economia é abster-se por completo da interrelação existente entre a economia e a natureza.

Os verdadeiros postulados da ciência econômica devem considerar para efeito de justa explicação que há uma relação de troca entre o sistema produtivo e a natureza. Dessa forma, defendemos que a economia deva ser entendida como um subsistema de um sistema maior: o meio-ambiente. É imperioso então romper com a ideia dominante que faz a economia passar por cima das questões ambientais.

Partindo-se desse primeiro comentário que em si encerra uma visão míope do sistema econômico antigo, dono de uma visão fechada e não passível de relação para com as causas naturais, é possível remexer nessa história para acrescentar algo de suma importância: inserir a temática do meio ambiente no contexto econômico e,com isso, de certa forma, passar a recontar a história econômica.

Nesse pormenor, como bem aponta Clóvis Cavalcanti, estudioso das relações da economia com o meio ambiente, é necessário entender, definitivamente, que “não existe sociedade (e economia) sem sistema ecológico, mas pode haver meio ambiente sem sociedade (e economia)”.

A economia do “fluxo real” é considerada de forma diferente da economia do “fluxo circular”, ignorando o que realmente se sucede em termos reais de movimentação dentro de um sistema econômico, a saber: entra (materiais) e sai (resíduos); entra matéria e energia, sai ejetada a poluição.

Nesse ponto, chamamos a atenção que o desenho aqui apresentado é o seguinte: fluxos de entrada (materiais e energia) e de saída (produtos e resíduos ejetados) precisam ser considerados em sua essência, e não relegados ao esquecimento como tem sido comum.

Esse fluxo real com todas suas interações consiste apenas num subsistema de algo muito maior: o sistema ambiental, visto ser esse um sistema “inteiro”, completo e repleto de interações. Tal sistema, é importante frisar, engloba todas as leis; incluindo as leis econômicas que determinam a capacidade de produção.

Dessa forma, é equivocado pensar a economia isoladamente. A economia é apenas uma parte de um todo; o todo, que fique bem claro, é o meio ambiente. Logo, a economia por essa ótica é como se fosse um algo a mais expandindo o ambiente. Visto que a ciência econômica sempre avança, até por ser de natureza dinâmica, e não estática, cabe à economia dentro dessa visão estender análises e procedimentos para os problemas derivados da relação (interação) não consensual entre o homem e o meio ambiente. Essa relação, grosso modo, envolve alguns aspectos: alterações do clima que são potencialmente provocadas pela ação do homem; exagero de produtos tóxicos ejetados no meio ambiente como resposta à política decrescimento sem respeito aos limites físicos do Universo; a falta de energia e matéria para lidar com sociedades cujos desejos de consumo são cada vez mais intensos, desconhecendo com isso a existência de limites e imposições.

Nessa relação entre a economia e o meio ambiente, convém mencionar de antemão que ao propormos a “defesa do meio ambiente” não estamos apenas desejando “defender” o ambiente   em si, mas sim e, especialmente, a espécie humana; simplesmente, estamos “defendendo” a nossa possibilidade de termos continuidade à vida. Isso se deve ao seguinte argumento: se alguém corre risco de extinção em função do fortíssimo desequilíbrio ambiental provocado essencialmente pela constante ação/agressão humana, certamente não é o ambiente, mas, nós, os seres humanos. É a nossa espécie que corre sério risco de se extinguir mediante as agressões ao meio ambiente em nome de se buscar a qualquer preço o propagado progresso econômico. Especialmente em relação a essa temática, não há dúvidas que o Universo poderá continuar sua longa caminhada sem a nossa incômoda presença; o Universo “vive” muito bem sem o ser humano; o contrário, certamente, não pode acontecer. Não à toa, na escala do tempo, o ser humano foi à última coisa que apareceu no Universo; isso quando as luzes da criação já estavam quase se apagando. Portanto, o Universo soube e, certamente, saberá (con) viver muito bem sem seus incômodos, inconvenientes e agressores hóspedes.

Destarte, se temos (a nossa espécie) qualquer pretensão em continuarmos desfrutando dos prazeres desse mundo, que tratemos urgentemente de resguardar à nossa casa, à nossa Gaia. Nesse pormenor, a economia pode a bom termo ser de grande valia; desde que aplique uma justa e perfeita sintonia nessa relação de exploração das coisas naturais.

Nessa linha sistemática de defesa em torno do meio ambiente, quando se aponta dedo em riste sobre a atividade econômica, pontuando a exploração de recursos em favor de um crescimento antieconômico, é forçoso aventar que o “tipo de economia” que todos pretendemos ver em atuação, assegurando a capacidade de progresso à geração futura, não está fazendo o jogo do antiprogresso, do antidesenvolvimento, da antievolução. A questão aponta justamente em sentido contrário: essa “Nova economia”, que interage com o meio ambiente, pautada no bom senso deve procurar, a seu turno, ser uma ferramenta capaz de fazer os homens enxergarem que uma produção com limites é razoável, pois é potencialmente capaz de assegurar na atualidade a continuidade da existência de todos.

O que fazemos questão de frisar se refere à defesa de políticas macroeconômicas que recomendam o crescimento tendo em conta, essencialmente, a existência do meio ambiente a ser cuidadosamente “manejado”. Nesse ínterim, não há como escapar da seguinte premissa: crescer significa usar o meio ambiente, e mais crescimento significa menos meio ambiente.

Aqui, então, há de se criar maneiras para um bom e adequado uso das coisas naturais. O que não se pode (e não se deve) considerar e aceitar é a existência de um fluxo monetário que somente vê a natureza como uma externalidade negativa. Em termos de conceitos econômicos, a natureza jamais foi ou será um dia uma externalidade.

Dessa maneira, se tudo for visto pelas lentes do conceito criado pelos economistas como sendo “externalidades”, chegar-se-á facilmente a conclusão de que não há limites ao crescimento econômico. Assim, qualquer tentativa de crescimento da economia não envolveria, por definição, os chamados custos de oportunidade. Ora, isso é um falso dilema. É evidente que na busca pelo crescimento econômico há diversos custos de oportunidades pelo caminho, até mesmo porque vivemos num mundo marcado pela inexorável lei da escassez. Não há como fugir disso.

A ênfase – se não for essa a principal constatação desse pressuposto -, é a tentativa de explicar o comportamento humano condicionado pela implacabilidade da escassez A vida, por sinal, também repete essa história, pois viver significa constantemente enfrentar uma sucessão contínua de escolhas, representando na maioria das vezes conflitos de valoração. Como a economia essencialmente estuda a vida comportamental dos consumidores, produtores e dos agentes econômicos, nada mais propício imaginar que estamos nos referindo a uma ciência que trata a todo instante desses conflitos (trade-off).

Visto por esse prisma, as escolhas (na verdade, os conflitos) nos conduzem inevitavelmente ao processo que nós economistas denominamos custos de oportunidades.

Ademais, ao escolher certa opção estamos concomitantemente abrindo mão de outras possibilidades. A essa possibilidade não escolhida consiste, pois, no conceito de custos de oportunidades. Vejamos então que não há escapatória: os custos de oportunidades estão inseridos no processo de escolhas que permeiam a ação econômica; que permeiam, por sua vez, a atuação das pessoas dentro daquilo que poderíamos chamar no bojo de sistema econômico. Fechar os olhos a isso é faltar com a coerência em termos de análise mais séria, sensata e consistente. Portanto, que a economia “manejada” pelas mãos dos economistas profissionais  respeite, em tempo, o fato de que a natureza não pode ser ignorada. Antes, é de fundamental importância ter em conta que, sem a natureza não há economia e, evidentemente, não há vida.

Fonte: Fábio Oliveira – fabioxoliveira2007@gmail.com

                                  Fabioxoliveira.blog.uol.com.br/








domingo, 16 de outubro de 2011

CORRUPÇÃO, ENDEMIA POLÍTICA

Autor:  Frei Betto

A política brasileira sempre se alimentou do dinheiro da corrupção. Não todos os políticos. Muitos são íntegros, têm vergonha na cara e lisura no bolso. Porém, as campanhas são caras, o candidato não dispõe de recursos ou evita reduzir sua poupança, e os interesses privados no investimento público são vorazes.

Arma-se, assim, a maracutaia. O candidato promete, por baixo dos panos, facilitar negócios privados junto à administração pública. Como por encanto, aparecem os recursos de campanha. 

Eleito, aprova concorrências sem licitações, nomeia indicados pelo lobby da iniciativa privada, dá sinal verde a projetos superfaturados e embolsa o seu quinhão, ou melhor, o milhão.  

Para uma empresa que se propõe a fazer uma obra no valor de R$ 30 milhões – e na qual, de fato, não gastará mais de 20, sobretudo em tempos de terceirização – é excelente negócio embolsar 10 e ainda repassar 3 ou 4 ao político que facilitou a negociata.

Conhecemos todos a qualidade dos serviços públicos. Basta recorrer ao SUS ou confiar os filhos à escola pública. (Todo político deveria ser obrigado, por lei, a tratar-se pelo SUS e matricular, como propõe o senador Cristovam Buarque, os filhos em escolas públicas).  Vejam ruas e estradas: o asfalto cede com chuva um pouco mais intensa, os buracos exibem enormes bocas, os reparos são frequentes. Obras intermináveis...

Isso me lembra o conselho de um preso comum, durante o regime militar, a meu confrade Fernando de Brito, preso político: “Padre, ao sair da cadeia trate de ficar rico. Comece a construir uma igreja. Promova quermesses, bingos, sorteios. Arrecade muito dinheiro dos fiéis. Mas não seja bobo de terminar a obra. Não termine nunca. Assim o senhor poderá comprar fazendas e viver numa boa.”

Com o perdão da rima, a ideia que se tem é que o dinheiro público não é de ninguém.  É de quem meter a mão primeiro. E como são raros os governantes que, como a presidente Dilma, vão atrás dos ladrões, a turma do Ali Babá se farta.

Meu pai contava a história de um político mineiro que enriqueceu à base de propinas. Como tinha apenas dois filhos, confiou boa parcela de seus recursos (ou melhor, nossos) à conta de um genro, meio pobretão. Um dia, o beneficiário decidiu se separar da mulher. O ex-sogro foi atrás: “Cadê meu dinheiro?” O ex-genro fez aquela cara de indignado: “Que dinheiro? Prova que há dinheiro seu comigo.” Ladrão que rouba ladrão... Hoje, o ex-genro mora com a nova mulher num condomínio de alto luxo.

Sou cético quanto à ética dos políticos ou de qualquer outro grupo social, incluídos frades e padres. Acredito, sim, na ética da política, e não na política. Ou seja, criar instituições e mecanismos que coíbam quem se sente tentado a corromper ou ser corrompido. A carne é fraca, diz o Evangelho. Mas as instituições devem ser suficientemente fortes, as investigações rigorosas e as punições severas. A impunidade faz o bandido. E, no caso de políticos, ela se soma à imunidade.   Haja ladroeira!

Daí a urgência da reforma política – tema que anda esquecido – e de profunda reformado nosso sistema judiciário. Adianta a Polícia Federal prender se, no dia seguinte, todos voltam à rua ansiosos por destruir provas?  E ainda se gasta saliva quanto ao uso de algemas, olvidando os milhões surrupiados... e jamais devolvidos aos cofres públicos.

Ainda que o suspeito fique em liberdade, por que a Justiça não lhe congela os bens e o impede de movimentar contas bancárias? A parte mais sensível do corpo humano é o bolso. Os corruptos sabem muito bem o quanto ele pode ser agraciado ou prejudicado.

As escolas deveriam levar casos de corrupção às salas de aula. Incutir nos alunos a suprema vergonha de fazer uso privado dos bens coletivos. Já que o conceito de pecado deixou de pautar a moral social, urge cultivar a ética como normatizadora do comportamento. Desenvolver em crianças e jovens a autoestima de ser honesto e de preservar o patrimônio público.

 Fonte: Fábio Oliveira – fabioxoliveira2007@gmail.com

                                  Fabioxoliveira.blog.uol.com.br/








quarta-feira, 5 de outubro de 2011

UM GRITO MUDO

 
Frei Betto

A foto do jornal me causou horror. A criança somali lembrava um ET desnutrido. O corpo, ossinhos estufados sob a pele escura. A cabeça, enorme, desproporcional ao tronco minguado, se assemelhava ao globo terrestre. A boca –ah, a boca!,  escancarada de fome emitia um grito mudo, amargura de quem não mereceu a vida como dom. Mereceu-a como dor.

Ao lado da foto, manchetes sobre a crise financeira do cassino global. Em dez dias, as bolsas de valores perderam US$ 4 trilhões. Estarrecedor! E nem um centavo para aplacar a fome da criança somali? Nem uma mísera gota de alívio para tamanho sofrimento?

Tive vergonha. Vergonha da Declaração Universal dos Direitos Humanos, que reza que todos nascemos iguais, sem propor que vivamos com menos desigualdades. Vergonha de não haver uma Declaração Universal dos Deveres Humanos. Vergonha das solenes palavras de nossas Constituições e discursos políticos e humanitários. Vergonha de tantas mentiras que permeiam nossas democracias governadas pela ditadura do  dinheiro.

US$ 4 trilhões derretidos na roleta da especulação! O PIB atual do Brasil ultrapassa US$ 2,1 trilhões. Dois Brasil sugados pelos desacertos dos devotos do lucro e indiferentes à criança somali.

Neste mundo injusto, uma elite privilegiada dispõe de tanto dinheiro que se dá ao luxo de aplicar o supérfluo na gangorra financeira à espera de que o movimento seja sempre ascendente.  Sonha em ver sua fortuna multiplicada numa proporção que nem Jesus foi capaz de fazê-lo com os pães e os peixes. Basta dizer que o PIB mundial é, hoje, de US$ 62 trilhões. E no cassino global se negociam papéis que somam US$ 600 trilhões!

Ora, a realidade fala mais alto que os sonhos e a necessidade que o supérfluo. Toda a fortuna investida na especulação explica a dor da criança somali. Arrancaram-lhe o pão da boca na esperança de que a alquimia da ciranda financeira o transformasse em ouro.

À criança faltou o mais básicos de todos os direitos: o pão nosso de cada dia.  Aos donos do dinheiro, que viram suas ações despencarem na bolsa, nenhum prejuízo. Apenas certo desapontamento. Nenhum deles se vê obrigado a abrir mão de seus luxos.

Sabemos todos que a conta da recessão, de novo, será paga pelos pobres. São eles os condenados a sofrerem com a falta de postos de trabalho, de crédito, de serviços públicos de qualidade. Eles padecerão o desemprego, os cortes nos investimentos do governo, as medidas cirúrgicas propostas pelo FMI, o recuo das ajudas humanitárias.

A miséria nutre a inércia dos miseráveis. Antevejo, porém, o inconformismo da classe média que, nos EUA e na União Européia, acalentava o sonho de enriquecer. A periferia de Londres entra em ebulição, as praças da Espanha e da Itália são ocupadas por protestos. Tantas poupanças a se volatilizarem como fumaça nas chaminés do cassino global!

Temo que a onda de protestos dê sinal verde ao neofascismo. Em nome da recuperação do sistema financeiro(dirão: “retomada do crescimento”), nossas democracias apelarão às forças políticas que prometem mais ouro aos ricos e sonhos, meros sonhos, aos pobres.

Nos EUA, a derrota de Obama na eleição de 2012 revigorará o preconceito aos negros e o fundamentalismo do “tea party” incrementará o belicismo, a guerra como fator de recuperação econômica. A direita racista e xenófoba assumirá os governos da União Européia, disposta a conter a insatisfação e os protestos.

Enquanto isso, a criança somali terá sua dor sanada pela morte precoce. E a Somália se multiplicará pelas periferias das grandes metrópoles e dos países periféricos afetados em suas frágeis economias.

Ora, deixemos o pessimismo para dias melhores! É hora de reacender e organizara esperança, construir outros mundos possíveis, substituir a globo colonização pela globalização da solidariedade.  Sobretudo, transformar a indignação em ação efetiva por um mundo ecologicamente sustentável, politicamente democrático e economicamente justo. 

Fonte: Fábio Oliveira – fabioxoliveira2007@gmail.com