sábado, 30 de junho de 2012

CATACLISMA

Autor: Efraim Rodrigues
EcoDebate] Há uma semana o Secretário Geral da ONU divulgou artigo dizendo que as promessas de Rio 92 estão longe de ser cumpridas (teria lido a coluna da semana passada?). Ontem o mesmo secretário novamente se manifestou, agora dizendo que o documento final da Rio +20 poderia ser mais ambicioso.
Há algo de muito errado quando o organizador de um evento é o primeiro a reconhecer sua inutilidade, mas podemos descansar tranqüilos porque foi criado um grupo de trabalho, que eficientíssimo, resolverá toda esta barafunda ambiental; limpará rios, plantará florestas e retirará o carbono excedente do ar, prenderá os maus e saudará os bons.
Então no longo prazo estaremos todos mortos, como dizia Keynes ?
Depende de qual “nós” se use. Para “nós” cada pessoa, ele está obviamente certo. Em uns 100 anos, já éramos. Para “nós” como nossa família poderemos durar um pouco mais e para nós espécie humana demorará ainda um pouco mais.
Nossa salvação pode em estar uma idéia de Richard Dawkins de que se formos indo para trás geração após geração, não haverá um Adão e uma Eva primordiais. Não há onde traçar uma linha onde começa a espécie humana e termina a anterior. Umas 185 milhões de gerações para trás e seu 185 milionésimo tataravô é um peixe, mais umas tantas para trás e você chegará nas bactérias. Aí está a “nossa” salvação.
Há vida em todos lugares. Haloarchaea cresce em lagos salgados, chegando a ter até 37% de sal em solução, que é uma sopa parecida com aquele saleiro da praia. Igualmente, em Los Alamos uma linhagem de Pseudomonas, outro gênero de bactéria, se criou na água interna do reator, sob radiação milhares de vezes superior a necessária para nos matar imediatamente (nos, aqui entendido como “mim”). Japoneses criaram uma variedade de Paracoccus denitrificans em uma gravidade 400.000 vezes mais intensa que a nossa e o Mars Simulation Lab na Alemanha conseguiu manter um líquen em condições ambientais iguais às de Marte por 34 dias. Coloquei em meu blog http://ambienteporinteiro-efraim.blogspot.com.br/ estes links todos.
Portanto, sobreviveremos independentemente da salinização do solo, da contaminação atômica ou aquecimento global, ainda que na forma de um remotíssimo parente bacteriano. Em primeiro lugar irão os exilados do clima, depois irão os chiques funcionários poliglotas da ONU, junto com os representantes governamentais. Os milionários irão por último, também exilados dentro de seus automóveis e casas climatizados.
As bactérias, essas não irão.
Efraim Rodrigues, Ph.D. (efraim@efraim.com.br), Colunista do Portal EcoDebate, é Doutor pela Universidade de Harvard, Professor Associado de Recursos Naturais da Universidade Estadual de Londrina, consultor do programa FODEPAL da FAO-ONU, autor dos livros Biologia da Conservação e Histórias Impublicáveis sobre trabalhos acadêmicos e seus autores.
Fonte: portal EcoDebate de 26/06/2012

quinta-feira, 28 de junho de 2012

DEPOIS DA RIO+20

Autor: Roberto Malvezzi (Gogó)
[EcoDebate] Como era esperado, a Rio+20 foi mais um espaço de debates, de elevação das questões cruciais da humanidade, que um ponto de soluções. A Cúpula dos povos, mesmo dentro de suas contradições, não deixou de expor a contradição maior de um modo de civilização vampiresco que, para sobreviver, tem que chupar o sangue dos pobres e a seiva da natureza.
O mundo não começou e nem termina na Rio+20. Precisamos ter a noção de processo histórico. Não há um ponto de chegada para humanidade, definitivo, um paraíso sobre a Terra. A humanidade terá que reinventar-se constantemente para responder aos desafios de cada momento de sua trajetória, enquanto existir, enquanto for a espécie dominante. Os predadores não têm a última palavra sobre a história, se é que podemos dividir o mundo entre predadores e vítimas. Talvez essa equação seja possível nos extremos da sociedade, mas não na faixa média.
Os resultados são limitados, os da Cúpula Oficial praticamente inexistentes. Mas, teremos que caminhar, porque novas contradições vão aparecer, inclusive novos impasses. O petróleo continua existindo, mas não é eterno. Mais dois bilhões de seres humanos ocuparão a face da Terra até 2050. Vão precisar de água, comida, ar limpo para respirar. Mas também vão necessitar de moradia, energia, transportes. As cidades vão engarrafar o trânsito. Os fenômenos climáticos extremos vão se agudizar, mesmo que alguns céticos não queiram. Provavelmente teremos novas tragédias, guerras por bens naturais, novo mapa mundial, eliminação de muitas pessoas e boa parte das formas de vida.
A busca da nova síntese civilizacional persiste, sobretudo porque agora as populações originárias – o que resta delas – querem ser sujeitos da história, não apenas um apêndice, ou um atraso, ou uma barreira para o desenvolvimento. O etnocentrismo do mundo iluminista não vai subsistir por muito tempo, se é que já não sucumbiu às contribuições inestimáveis desses povos para a sobrevivência da humanidade. A governança mundial não está à altura dos desafios da época, mas eles também terão que mudar, senão serão varridos pelas contradições da história.
Momento maravilhoso esse que atravessamos. Viver nessa época é um privilégio que deveríamos agradecer a Deus, aos deuses, à gratuidade da vida, todos os dias.
Roberto Malvezzi (Gogó), Articulista do Portal EcoDebate, possui formação em Filosofia, Teologia e Estudos Sociais. Atua na Equipe CPP/CPT do São Francisco.
Fonte: portal EcoDebate, 26/06/2012

terça-feira, 26 de junho de 2012

A RIO+20 E A CARTINHA AO PAPAI NOEL

Autor: Henrique Cortez
EcoDebate] A Rio+20 não foi um fracasso pelo simples motivo que, de verdade, ninguém esperava que fosse um sucesso. Tolices e bravatas à parte, ela apenas reforçou as críticas que o modelo consensual da ONU é insuficiente para liderar as transformações que se fazem necessárias.
No entanto, em paralelo ao evento diplomático, ocorreram significativos avanços nos Major Groups e na Cúpula dos Povos.
Os chamados Major Groups, compostos por representantes da sociedade civil, concentrados em áreas temas [Negócios e Indústria / Crianças e Jovens / Agricultores / Povos Nativos / Autoridades Locais / ONGs / Comunidade Científica e Tecnológica / Mulheres / Trabalhadores e Sindicatos] trabalharam intensamente, produzindo discussões e trabalhos técnicos de suporte, que poderiam ter orientado as decisões das delegações.
Poderiam, mas ao final, foram solenemente ignorados. Nada discutido ou produzido nos Major Groups foi aproveitado no texto final. Em geral, nada aconteceria, mas desta vez, estes participantes reagiram com vigor, reafirmando que a sociedade civil lá estava para colaborar e ser ouvida.
Novamente ignorados, os participantes (pesquisadores, cientistas, ativistas, representantes de ONGs, etc…) emitiram a nota A Rio+20 que a sociedade civil não quer é a que está aí e formalmente se retiraram do plenário.
Sem respostas, os integrantes da sociedade civil subiram o tom entregando os crachás, em ato de protesto e publicando uma carta aberta contra texto   final [Leia a carta da sociedade civil na íntegra, no site http://www.ipetitions.com/petition/the-future-we-dont-want/ ].
Pode parecer pouco, mas foi uma reação inédita e com repercussão internacional. Foi um importante avanço e merece destaque.
A Cúpula dos Povos na Rio+20 por Justiça Social e Ambiental, de sua parte, também merece destaque pelas discussões, pela mobilização e pelos avanços apresentados.
Foi um evento organizado pela sociedade civil global, entre os dias 15 e 23 de junho, no Aterro do Flamengo, no Rio de Janeiro – paralelamente à Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável (UNCSD), a Rio+20.
Evento aberto, com livre acesso da população e intensas discussões públicas contra a mercantilização da vida e em defesa dos bens comuns. Milhares de pessoas visitaram a Cúpula dos Povos, acompanhando as discussões e livremente obtendo informações com centenas de ativistas.
Além dos debates, as plenárias produziram documentos com sugestões, colaborações e propostas que foram entregues ao secretário geral da ONU, Ban Ki-moon.
No âmbito dos Direitos (por justiça social e ambiental), que corresponde à Plenária 1, ficou acordado que para garantir esses direitos é preciso, dentre outras medidas, fortalecer os direitos humanos e mudar as políticas públicas, o sistema de produção capitalista que domina, oprime e promove o etnocídio das culturas populares.
Em relação à defesa dos bens comuns e à mercantilização da vida (Plenária 2), acordou-se que, para ter direito à terra e ao território, é preciso haver uma regulamentação fundiária. E a Cartografia Social, segundo as organizações participantes, é um instrumento para atingir esse objetivo. É preciso que haja políticas públicas destinadas a estruturar essas mudanças e financiar projetos socioambientais para as comunidades.
A soberania alimentar, defendida naPlenária 3, determinou que, para obtê-la, é necessário fortalecer o pequeno agricultor, o camponês e o indígena. É preciso controlar o uso de agrotóxicos em escala industrial e fortalecer o ideário da agroecologia.
Em relação a energia e às indústrias extrativas, assunto da Plenária 4, ficou acordado que as energias renováveis e de controle descentralizado são a saída para a crise energética mundial. É preciso ainda que as organizações que poluem e causam impactos ambientais negativos sejam adequadamente punidas.
Sobre o trabalho, debatido na Plenária 5, ficou decidido que a reforma agrária, a abolição do agronegócio e a negação à mercantilização da natureza são medidas importantes para regulamentar e humanizar o trabalho. A punição para a violação de direitos trabalhistas também é um dos temas defendidos pelas organizações participantes da Cúpula dos Povos.
A Declaração final da Cúpula dos Povos na Rio+20 merece uma leitura atenta, porque claramente demonstra que a sociedade civil sabe o que quer e o que é preciso fazer.
E também merecem destaques as mobilizações, destacando a Marcha das Mulheres e a Manifestação em defesa dos bens comuns e contra a mercantilização da vida.
A Marcha das Mulheres foi realizada na manhã do dia 18/6, no Centro do Rio de Janeiro e reuniu cerca 8 mil pessoas de várias partes do mundo. Este foi o primeiro ato público realizado dentro da Cúpula dos Povos
No dia 20/6, a manifestação em defesa dos bens comuns e contra a mercantilização da vida, realizada na avenida rio Branco, com a participação de estudantes e representantes de movimentos sociais, reuniu, pelo menos, 50 mil pessoas. Talvez 80 mil, de acordo com os organizadores. Pouco importa, porque 50 mil pessoas é mais do que suficiente para torná-la a mais significativa e representativa da última década.
Enfim, em paralelo à Rio+20, os avanços foram importantes e visíveis.
Quanto à Rio+20 e seu documento “O Futuro que Queremos” se não foi um retrocesso em relação à Cúpula da Terra (Eco92) certamente também não foi um avanço.
Na realidade, mais me parece com uma carta do Joãozinho ao Papai Noel:
Querido Papai Noel… Prometo que vou ser bonzinho… Prometo que não vou fazer malcriação … Prometo que vou estudar … E prometo que não vou mais bater no meu irmãozinho…
Promessas, meras promessas, mas nada de compromissos.
Os governos, representados por suas delegações, fracassaram como esperado, mas a sociedade civil, nos Major Groups e na Cúpula dos Povos, mostrou que as mudanças já começaram e vieram para ficar.
Neste aspecto, mesmo sem querer, a Rio+20 foi um sucesso.
Henrique Cortez, coordenador editorial do Portal EcoDebate, com informações da Cúpula dos Povos.
Fonte: portal EcoDebate de 26.6.12

domingo, 24 de junho de 2012

QUANTO DE SUSTENTABILIDADE

Autor: Leonardo Boff, filósofo.
Três são os grandes figurantes da Rio+20: os representantes oficiais dos Estados e dos governos, os empresários e a Cúpula dos Povos. Cada grupo é portador de um projeto e de uma visão de futuro.
Os representantes oficiais repropõem o desgastado desenvolvimento sustentável agora pintado de verde. Esquecem, entretanto, de confessar que ele fracassou rotundamente. Diz Gorbachov: “o atual modelo de crescimento econômico é insustentável; ele engendra crises, injustiça social e o perigo de catástrofe ambiental”. O Borrador Zero da Rio+20 reconhece: “o desenvolvimento sustentável continua a ser um objetivo distante”. Em sua fé dogmática do desenvolvimento sustentável que, no fundo, é crescimento material, continuam propondo mais do mesmo.
Não teriam os agentes do atual sistema mundial sofrido uma espécie de lobotomia? Não sentem a urgência da ameaça ambiental. Preferem salvar o sistema financeiro e os bancos, que garantir a vida e proteger a Terra.
Os empresários estão tomando consciência dos limites da Terra, do aumento populacional e do aquecimento global. Não esperam por consensos quase impossíveis das reuniões da ONU e dos governos. Mais de cem lideranças empresariais se reuniram no antes do evento. Pretendem criar o G-0 em oposição ao G-2, G-7 ou G-20. Chegam a dizer: “nós precisamos assumir o comando”. A agenda coletiva acertada vai na linha da economia verde, não como maquilagem, mas como uma produção de baixo carbono, preservando o mais possível a natureza. Contudo, constituem apenas 1% das empresas com receita acima de US$ 1 bilhão. Dão-se conta de um problema ainda insolúvel dentro do atual modelo. Os acionistas não querem renunciar a lucro em nome da sustentabilidade. Mas, pelo menos esses empresários viram o problema: ou mudam ou afundam junto com os outros.
O terceiro figurante é a Cúpula dos Povos. São milhares, vindos de todo o mundo: os altermundistas que querem mostrar o que estão fazendo com a economia solidária e o comércio justo, com a preservação das sementes crioulas, com o combate aos transgênicos, com a produção orgânica da economia familiar, com as ecovilas e as energias alternativas. Uma outra forma de produção e consumo, mais em consonância com os ritmos da natureza, fruto de um novo olhar sobre a Terra.
Para atalhar, diria: no primeiro grupo reina resignação; no segundo, inquietação, e no terceiro, esperança. 
Estimo o seguinte resultado da Rio+20:
A reunião formal da ONU vai aprovar a economia verde, mantendo o mesmo modo de produção capitalista básico. Isso dará o aval para as empresas fazerem negócios com bens e serviços naturais. Criar-se-á uma Organização Mundial do Meio Ambiente, na linha da Organização Mundial do Comércio.
Os empresários irão pressionar os governos a não intervirem nos negócios da economia verde. Querem o caminho livre, pois de trata de uma economia de baixo carbono e, por isso, ecoamigável, embora dentro do modelo vigente.
A Cúpula dos Povos irá lançar uma alternativa à economia verde: a economia solidária. Criarão articulações globais contra a mercantilização de bens e serviços vitais, como água, sementes, solos, florestas, oceanos e outros, entendidos como bens comuns da humanidade.
O salto rumo a um novo paradigma de sociedade planetária não se dará por ora. Mas será obrigatório face às crises socioambientais. O sofrimento coletivo nos dará amargas lições. Todos aprenderemos a duras penas.
Fonte: jornal “O Tempo”

sexta-feira, 22 de junho de 2012

O RELATÓRIO PLANETA VIVO E AS PROJEÇÕES DA PEGADA ECOLÓGICA

Autor: José Eustáquio Diniz Alves

[EcoDebate] Um dos componentes centrais do relatório Planeta Vivo, da WWF, é a pegada ecológica, que é uma medida utilizada para avaliar a demanda que o ser humano exerce sobre a biosfera (nas diversas escalas), comparando a quantidade de recursos naturais renováveis que as pessoas estão consumindo em comparação com a capacidade de regeneração da Terra ou a sua biocapacidade, medida em área de terra efetivamente disponível para a produção dos recursos naturais renováveis e a absorção das emissões de CO2. A metodologia considera os impactos humanos nas áreas construídas (built-up land), pesqueiros (fishing), florestas (forest), pastagens (grazing), áreas de cultivo (cropland) e carbono (carbon).
Até meados da década de 1970 a humanidade vivia dentro dos limites renováveis do Planeta. Mas, a partir daí, a pegada ecológica da população mundial foi crescendo continuamente na medida em que crescia o número de habitantes e a renda per capita. Em 1961, a pegada ecológica per capita era de 2,4 hectares globais (gha) e a população mundial era de 3,1 bilhões de habitantes, sendo a biocapacidade per capita de 3,7 gha. Desta forma, a humanidade estava utilizando 63% da capacidade regenerativa da Terra, havendo sustentabilidade ambiental. Em 1975, a pegada ecológica e a biocapacidade per capita, respectivamente, passaram para 2,8 gha e 2,9 gha e a população mundial chegou a 4,1 bilhões de habitantes. A humanidade estava usando 97% da capacidade de regeneração, ainda cabendo dentro de um Planeta. A partir desta data as atividades antrópicas ultrapassaram os limites biológicos da Terra.
Em 2008 (último dado disponível) a pegada ecológica per capita ficou em 2,7 gha, a biocapacidade em 1,8 gha e a população chegou a 6,75 bilhões de habitantes. Portanto a humanidade estava usando 1,5 planetas, ou seja, um planeta e meio em 2008. Nota-se que a pegada ecológica per capita não cresceu nas últimas 3 décadas, mas sim o número de habitantes do globo.
As projeções do relatório Planeta Vivo, da WWF, indicam que a humanidade estará utilizando 2 Planetas em 2030 (com 8,3 bilhões de habitantes) e cerca de 3 Planetas em 2050 (com 9,3 bilhões de habitantes). Os maiores fatores para o crescimento da pegada ecológica serão na emissão de carbono, nas áreas de cultivo e nas áreas de pastagem. Portanto, quase 2 planetas, em 2050, serão necessários apenas para absorver a quantidade de CO2 emitido pelas atividades antrópicas, em todas as suas dimensões.
Uma alternativa para reduzir a pegada ecológica é diminuir o uso de combustíveis fósseis e passar a usar fontes renováveis, como energia eólica, solar, geotérmica, das ondas, etc. Mas não basta alterar apenas a matriz energética, pois é preciso construir prédios sustentáveis, dar prioridade ao transporte coletivo, revolucionar a produção pecuária, com a captura de metano, incentivar a dieta vegetariana, fazer uma agricultura menos petroficada, com menos agrotóxicos e mais orgânica, apoiar a aquacultura, além de caminhar rumo a uma sociedade do conhecimento baseada em bens e serviços imateriais e intangíveis.
O fato é que já existe uma discrepância de 50% entre o padrão de vida da humanidade e a capacidade de regeneração da Terra. O ser humano está consumindo o capital natural (acumulado no solo e no sub-solo) ao mesmo tempo que degrada as fontes de vida e aquece o Planeta. Este caminho é insustentável pois a Terra é apenas um planeta e não três, como será a demanda da população mundial em 2050. A se manter esse rumo, o mundo vai dar com os burros n’água (salgada).
José Eustáquio Diniz Alves, Colunista do Portal EcoDebate, é Doutor em demografia e professor titular do mestrado em Estudos Populacionais e Pesquisas Sociais da Escola Nacional de Ciências Estatísticas – ENCE/IBGE; Apresenta seus pontos de vista em caráter pessoal. E-mail: jed_alves@yahoo.com.br
EcoDebate, 01/06/2012

segunda-feira, 18 de junho de 2012

PEGADA ECOLÓGICA E BIOCAPACIDADE


Autor: José Eustáquio Diniz Alves

[EcoDebate] O relatório Planeta Vivo de 2012, da WWF, traz duas medidas úteis para se avaliar o impacto humano sobre o meio ambiente e a disponibilidade de “capital natural” de cada país, região e do mundo. Os dados são para o ano de 2008.A Pegada Ecológica serve para avaliar o impacto que o ser humano exerce sobre a biosfera. A Biocapacidade avalia o montante de terra e água, biologicamente produtivo, para prover bens e serviços do ecosistema à demanda humana por consumo, sendo equivalente à capacidade regenerativa da natureza.

A população mundial era de 6,74 bilhões de habitantes, em 2008, com uma pegada ecológica de 2,7 hectares globais (gha) per capita, o que significa uma utilização de 18 bilhões de hectares globais. Como o mundo tinha apenas 12 bilhões de gha de terras e águas bioprodutivas, isto significa que a pegada ecológica da população mundial estava gastando 50% além da biocapacidade do Planeta. Ou dito de outra forma, a humanidade estava gastando em 1 ano o que a capacidade regenerativa da natureza só repunha em 1,5 (um e meio) ano.

Isto quer dizer que a população mundial já ultrapassou os limites da sustentabilidade e só mantém o atual padrão de vida em função das riquezas naturais e dos recursos fósseis acumulados há milhões de anos. Quando estes recursos acabarem (especialmente os não renováveis) haverá um grande descompasso entre o capital econômico e o capital natural. Se nada for feito nos próximos anos o choque de um colapso ambiental poderá ser extremamente doloroso no futuro.

A pegada ecológica e a biocapacidade são diferenciadas de acordo com a escala de análise. Nos países de alta renda (classificados como desenvolvidos) a pegada ecológica estava em 5,6 gha e a biocapacidade em 3 gha per capita. Isto significa que a população do grupo de países mais ricos tinha um déficit ambiental de 84% entre o impacto do consumo e a capacidade regenerativa do território da região (ou sobreconsumo de 84%). O grupo de países de renda média (inclui China, Índia, Brasil, etc.) tinha uma pegada ecológica de 1,92 gha – bem menor do que a do grupo desenvolvido – mas também uma biocapacidade per capita bem menor, de 1,72 gha, resultando em um déficit ambiental de 12% (ou um sobreconsumo de 12%). Já os países de baixa renda tinham tanto uma pegada ecológica quanto a biocapacidade em 1,14 gha, significando consumo baixo, mas baixa biocapacidade e uma situação de equilíbrio entre consumo e ambiente (mas não uma situação desejável em termos sociais).

O continente africano tinha uma pegada ecológica de 1,45 gha e uma biocapacidade de 1,52 gha, com um superávit de apenas 5%. Como a população e a economia da África estão crescendo a taxas elevadas, provavelmente o continente vai entrar em uma situação de déficit ambiental em breve. Mas o maior déficit ambiental acontece no Oriente Médio e Ásia Central (inclui Iraque, Irã, Ageganistão, etc.) que tinha uma pegada ecológica de 2,47 gha e uma biocapacidade de 0,92 gha. Portanto, com um déficit ambiental de 168%, ou dito em outros termos, o consumo desta região estava 2,7 vezes maior do que a capacidade regenerativa do seus recursos naturais. O déficit do Oriente Médio e Ásia Central era maior do que o déficit da América do Norte que tinha uma pegada ecológica maior, de 7,12 gha, mas uma biocapacidade também maior, de 4,95 gha. Ou seja, o déficit ambiental da América do Norte era de 44%.

Outra região com grande déficit (de 111%) era a Europa Ocidental, com pegada ecológica de 4,72 gha e biocapacidade de 2,24 gha. Ou seja, os europeus estavam consumindo pouco mais de 2 vezes a capacidade biológica do seu território. Já a Europa Oriental (que inclui o Leste europeu e a Rússia) apresentava superávit de 17%, com pegada ecológica de 4,05 gha e biocapacidade de 4,88 gha.

Porém, o maior impacto global acontece na Ásia/Pacífico (inclui o leste e sul da Ásia e a Oceania), pois com uma população total de 3,73 bilhões de habitantes tinha uma pegada ecológica, relativamente baixa, de 1,63 gha, mas uma biocapacidade per capita mais baixa ainda, de apenas 0,86 gha, resultando em um déficit ambiental de 90%. Ou seja, mesmo com todos os problemas de pobreza que existe na região, o consumo está quase duas vezes maior do que a capacidade regenerativa da natureza da região. Por conta do alto volume da população, o montante da pegada ecológica da Ásia/Pacífico foi de 6 bilhões de hectares globais (metade dos 12 bilhões de gha do mundo), enquanto o montante da pegada ecológica da América do Norte (EUA e Canadá) foi de 2,4 bilhões de gha (20% do total mundial).

A única região que apresentou grande superávit ambiental em 2008 foi a América Latina, que tinha uma pegada ecológica per capita de 2,7 gha, mas uma biocapacidade de 5,6 gha. Isto significa um superávit ambiental de 107%. Ou seja, mesmo o consumo médio sendo o dobro do consumo africano, a América Latina tinha uma capacidade biológica do seu território pouco mais de duas vezes superior ao nível da pegada ecológica da região. Portanto, a América Latina é a única região do mundo com superávit capaz de ser exportador líquido de biocapacidade. Ou dito em outros termos, a população mundial (especialmente da Europa Ocidental, América do Norte e Ásia/Pacífico) vai depender cada vez mais dos recuros naturais da América Latina.

Em termos de países, os dois com maior impacto negativo no meio ambiente são a China, que utiliza 2,9 bilhões de hectares globais (população de 1,36 bilhões de habitantes multiplicada por uma pegada ecológica de 2,13 gha) e os EUA com 2,2 bilhões de hectares globais (população de 305 milhões vezes 7,2 gha de pegada ecológica). Mas, dos 10 países mais populosos do mundo, aquele com maior déficit ambiental (607%) é o Japão, que tinha pegada ecológica de 4,17 gha, mas uma biocapacidade per capita de apenas 0,59 gha. No outro oposto, o país que apresentou maior superávit ambiental foi o Brasil (229%), com pegada ecológica per capita de 2,93 gha, mas com uma biocapacidade per capita de 9,63 gha. Isto não quer dizer que o Brasil está cuidando de forma excelente do seu meio ambiente, mas apenas quer dizer que o país tem uma população e um consumo relativamente pequenos diante da disponibilidade da biocapacidade do seu território. Se o Brasi cuidar bem do seu meio ambiente ele poderá ajudar muito a população mundial.

Todos estes dados são muito úteis para a compreensão da situação de consumo e das condições ambientais dos países e regiões do mundo, pois os dados da pegada ecológica devem ser vistos em conjunto com a biocapacidade. Por exemplo, é comum se dizer que a pegada ecológica do Paquistão (0,75 gha per capita) é 10 vezes menor do que a pegada ecológica dos Estados Unidos (7,2 gha per capita). Mas a biocapacidade dos EUA (3,86 gha per capita) é também 10 vezes maior do que aquela do Paquistão (0,40 gha per capita). Desta forma, ambos os países – a despeito da dramática diferença do nível de consumo – possuem déficit ambiental de 87% (EUA) e 88% (Paquistão).

Portanto, o grande desafio do mundo nos anos vindouros (além de reduzir as desigualdades de renda e das disparidades das condições de vida) será minimizar os impactos do consumo do alto padrão de vida dos habitantes dos países desenvolvidos e minimizar os impactos do alto crescimento populacional nos países mais pobres. Mas acima de tudo, será preciso que a pegada ecológica da humanidade seja compatível com a biocapacidade da Terra.

José Eustáquio Diniz Alves, Colunista do Portal EcoDebate, é Doutor em demografia e professor titular do mestrado em Estudos Populacionais e Pesquisas Sociais da Escola Nacional de Ciências Estatísticas  -   EcoDebate, 23/05/2012

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quinta-feira, 14 de junho de 2012

A TRANSIÇÃO DEMOGRÁFICA E O CRESCIMENTO POPULACIONAL


Autor: José Eustaquio Diniz Alves
[EcoDebate] A história da humanidade é a história da luta contra as altas taxas de mortalidade precoce. Desde o surgimento do homo sapiens, há cerca de 200 mil anos, a mortalidade sempre foi alta e exigia que as taxas de natalidade também fossem altas, para evitar o declínio de uma população que era relativamente pequena.
A literatura demográfica mostra que a população mundial estava em torno de 5 milhões de habitantes no ano 8000 antes de Cristo, chegou a cerca de 300 milhões no ano 1 da era Cristã e atingiu 1 bilhão de habitantes por volta do ano 1800. A taxa de crescimento demográfico foi de apenas 0,05% ao ano, em um periodo de aproximadamente 10 mil anos, pois a mortalidade ceifava vidas imaturas.
O crescimento econômico também era pequeno e se destacava apenas em algumas populações isoladas como na Babilônia, no Egito, na Grécia, em Roma, etc. e por pouco tempo. Segundo cálculos do economista Angus Maddison, o Produto Interno do Bruto (PIB) do mundo cresceu 6 vezes entre o ano 1 e 1800, representando um aumento anual de 0,09%. A renda per capita mundial aumentou somente 1,4 vezes (40%), em 1800 anos.
Porém, tudo mudou quando o novo modelo de produção e consumo começou a apresentar resultados práticos e os avanços científicos e tecnológicos permitiram o avanço da manufatura movida a energia não animal. Na primeira Revolução Industrial, no final do século XVIII, James Hargreaves e Richard Arkwright revolucionaram as máquinas de fiar e James Watt aumentou a eficiência do motor a vapor. As locomotivas e os navios a vapor revolucionaram os transportes de passageiros e de carga, expandindo as fronteiras e as migrações humanas.
Na segunda Revolução Industrial, na virada do século XIX para o século XX, os avanços foram ainda maiores com a introdução da iluminação elétrica, o aço, o motor de combustão interna, o petróleo, o telefone, o automóvel, o avião, etc. Nos últimos dois séculos, os avanços da população e da economia superaram tudo que foi feito nos últimos 200 mil anos.
Ainda segundo estimativas de Maddison, o Produto Interno Bruto (PIB) do mundo cresceu 90 vezes entre 1800 e 2011, enquanto a população mundial aumentou sete vezes, passando de 1 bilhão para 7 bilhões de habitantes. Ou seja, paralelamente ao crescimento demográfico que chegou a 1% ao ano, na média do período, houve uma aceleração do incremento da renda per capita, pois um trabalhador médio do mundo em 2011 recebia por mês aquilo que um habitante pré-revolução industrial teria que juntar em 13 meses de salário.
Porém, o sucesso humano dos últimos dois séculos teve um alto preço, representado pela agressão generalizada à natureza. Por exemplo, nos últimos 20 anos houve um acréscimo de 1,6 bilhão de habitantes no mundo, pois quando a Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável (Rio/92) foi declarada aberta, em meados de 1992, a população mundial estava na casa de 5,5 bilhões de habitantes. Em meados de 2012, durante os dias da Rio + 20, a população mundial estará na casa de 7,1 bilhões de habitantes.
Para as próximas décadas a ONU estima 9 bilhões de habitantes em 2043. Portanto, o mundo continua gerando mais gente e mais consumo. Para 2100, a projeção média da ONU indica uma população em torno de 10 bilhões de habitantes.
Nos últimos 200 anos, o desenvolvimento econômico possibilitou que ocorresse uma das maiores transformações sociais da história da humanidade que é a transição demográfica. Na medida em que o mundo ia se urbanizando e melhorando as condições de educação, alimentação e moradia as taxas de mortalidade começaram a cair – especialmente a mortalidade infantil – aumentando a esperança de vida ao nascer.
Quanto maior o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) maior é a esperança de vida. Esta correlação positiva mostra que o aumento do tempo de vida médio das pessoas, possibilita que os investimentos em educação apresentem retornos econômicos para os indivíduos e para a sociedade. A lição é a seguinte: não existe país desenvolvido com baixa esperança de vida ao nascer.
No estágio seguinte, a teoria da transição demográfica mostra que, universalmente, a queda nas taxas de natalidade acontecem com um certo lapso de tempo após o início da queda da mortalidade. Diversos autores resaltam que a transição da fecundidade é um dos mais importantes fenômenos sociais de todos os tempos. A taxa média de fecundidade no mundo era de 5 filhos por mulher em 1950 e caiu para 2,5 filhos em 2010.
Mas como houve um lapso entre a queda da mortalidade e da natalidade, o crescimento populacional foi muito alto e os 250 anos, entre 1800 e 2050, serão absolutamente diferentes de tudo que aconteceu no passado e do que vai acontecer no futuro. Mas para que a transição demográfica apresente ganhos duradouros no longo prazo é preciso que as taxas de natalidade caiam para um nível proximo das taxas de mortalidade. Taxas elevadas de crescimento demográfico não se sustentam indefinidamente. Atingir a estabilidade da população mundial é um imperativo que não pode ser adiado por muito tempo.
Na segunda metade do século XXI, pode ser que a população mundial venha a se estabilizar ou até mesmo a iniciar um declínio. Mas o crescimento de 1 bilhão de habitantes em 1800 para 7 bilhões em 2011 já se constitui em um recorde absoluto. O impacto ambiental deste crescimento foi enorme, pois além do crescimento da população houve crescimento da renda per capita mundial. Quanto maior é a economia maior é o uso de matérias-primas e recursos naturais e maior é o volume de lixo e resíduos descartados no ambiente.
Mas a possibilidade de colapso ambiental estabelece a necessidade de interromper o crescimento exponencial da curva de crescimento demográfico (e do crescimento ainda maior da economia). Isto deveria ser feito com respeito aos direitos de cidadania, num ambiente onde predomine as regras do Estado Democrático de Direito. O atual modelo de crescimento populacional e econômico é impossível de ser mantido em um Planeta finito.
José Eustáquio Diniz Alves, Colunista do Portal EcoDebate, é Doutor em demografia e professor titular do mestrado em Estudos Populacionais e Pesquisas Sociais da Escola Nacional de Ciências Estatísticas – ENCE/IBGE; Apresenta seus pontos de vista em caráter pessoal. E-mail: jed_alves@yahoo.com.br
Fonte: EcoDebate, 18/05/2012