sexta-feira, 31 de agosto de 2012

TERRITÓRIOS VAZIOS

 
Autor: José Eustáquio Diniz Alves

 “É sempre bom lembrar,
Que o copo vazio
Está cheio de ar”
Copo Vazio, de Chico Buarque

[EcoDebate] A história do Brasil é a história da ocupação dos “territórios vazios”. Na época colonial, território vazio era aquele sem a presença dos colonizadores do império Português. Ou dito de outra forma, sem a exploração dos recursos naturais para satisfazer a sede de consumo e lucro das potências européias. Depois da Independência de 1822, os territórios vazios eram aqueles sem a presença e o controle do governo monárquico dos tempos do Império brasileiro (1822-1889).

Quase nada mudou com a República Velha (1889-1930) pois os territórios vazios eram aqueles sem a produção de cana, de borracha, da mineração ou das plantações de café. O modelo econômico primário-exportador usava o território para produzir produtos para atender a demanda de consumo internacional. Uma pessoa que teve papel importante para abrir caminhos nos territórios vazios, desbravando terras, lançando linhas telegráficas, fazendo mapeamentos do terreno e principalmente estabelecendo relações com os índios do Brasil central foi o Marechal Cândido Rondon, que participou junto com os positivistas da Proclamação da República.

Com a Revolução de 1930, além das áreas exportadoras, os espaços vazios (vazios da poluição e da pegada humana) passaram a ser aqueles que não atendiam a demanda interna. Por exemplo, a cidade de Volta Redonda deixou de ser território vazio ao instalar a Companhia Siderurgica Nacional (CSN) e começar a importar o minério de ferro de Minas Gerais para exportar aço para São Paulo, que por sua vez iria exportar produtos industrializados para o restante do país. O Marechal Rondon se tornou colaborador do governo Getúlio Vargas a quem elogiou, em 1942: “por este conduzir a bandeira política e administrativa da Marcha para o Oeste, visando ao alargamento do povoamento do sertão e de seu aproveitamento agropecuário com fundamentos econômicos mais sólidos e eficientes”.

A Marcha para o Oeste deu diversos frutos no processo de ocupação dos espaços vazios na concepção do “Departamento Nacional de Povoamento”. Em 1933 foi fundada a cidade de Goiânia, mas a ocupação do bioma do Cerrado só se ampliou com a fundação de Brasilia, em 1960, pelo governo Juscelino kubitschek. A migração para as áreas de fronteira das regiões Centro-Oeste e Norte foi um grande movimento populacional que, dentre outras coisas, explica a rápida deterioração do cerrado e da floresta amazônica.

O general Golbery do Couto e Silva escreveu o livro Geopolítica do Brasil, em 1955, e se transformou, depois do golpe de 1964, em um grande estrategista militar brasileiro, defendendo a idéia de acelerar o processo de urbanização e industrialização, além de promover o processo de ocupação dos espaços vazios do Oeste e do Norte, completando a integração econômica de todo o território nacional.

Mas como diria Chico Buarque: “o copo vazio está cheio de ar”. Ou seja, os chamados territórios vazios de atividades econômicas estão na verdade cheios de vida e de biodiversidade. A ideologia da ocupação dos territórios vazios pela população humana na verdade é uma herança do mito do progresso infinito difundido pela corrente dos pensadores positivistas, do qual o Marechal Rondon foi um dos participantes no início da República brasileira.

Durante a maior parte do século XX, o Brasil adotou políticas pro-natalistas para aumentar o número de habitantes e incentivar a ocupação dos territórios vazios de gente (embora cheio de vida não-humana) ou políticas migratórias para ocupar as áreas despovoadas. Esta política de ocupação do território, implantada por mais de 500 anos, tem sido um um desastre para o meio ambiente, provocando a destruição do capital natural e a redução da biocapacidade do país.

Mas, não sem surpresa, o povo cansou destes incentivos e iniciou, por conta própria, um processo de transição para modestos níveis de fecundidade. Isto tem provocado a redução do ritmo de crescimento demográfico e acelerado a transformação da pirâmide populacional rumo ao envelhecimento. Neste contexto, as vozes pro-natalistas já clamam contra o envelhecimento da estrutura etária e uma possível queda da população, argumentando que isto vai enfraquecer a ocupação física do espaço nacional. Já existem pessoas dizendo que o despovoamento de parcelas do território e o aparecimento de vazios populacionais vai enfraquecer a grandeza do país.

Mas esta posição positivista e antropocêntrica desconsidera que um país não é feito só de gente, mas sim da sua riqueza natural e biológica. Além disto, os demais seres vivos deveriam ter direito à vida, mesmo porque a maioria das espécies da flora e fauna brasileira estão aqui no território brasileiro antes da chegada dos seres humanos e, especialmente, antes da chegada dos portugueses que deram o nome ao país.

Portanto, é sempre bom lembrar que o território vazio (de humanos) está cheio de vida e de ar.

José Eustáquio Diniz Alves, Colunista do Portal EcoDebate, é Doutor em demografia e professor titular do mestrado em Estudos Populacionais e Pesquisas Sociais da Escola Nacional de Ciências Estatísticas – ENCE/IBGE; Apresenta seus pontos de vista em caráter pessoal. E-mail: jed_alves@yahoo.com.br

Fonte: EcoDebate, 17/08/2012

 

domingo, 26 de agosto de 2012

A DEMOGRAFIA DO DECRESCIMENTO

 
Autor: José Eustáquio Diniz Alves
[EcoDebate] Durante 200 mil anos, desde o surgimento do homo sapiens, houve crescimento do número de habitantes do mundo. Pode ter havido recuos em alguns lugares e até civilizações locais podem ter desaparecido, mas nas contas globais, o crescimento foi contínuo e passou a ser exponencial nos últimos 250 anos. Por conta disto, a demografia é uma ciência que se acostumou com o crescimento.
A pirâmide populacional (formato egípicio) tinha cada grupo etário quinquenal inferior maior do que o imediatamente superior. A estrutura etária jovem fazia com que as políticas públicas se preocupassem somente com a expansão das suas metas. Vale dizer: maior número de maternidades e pediatrias, mais escolas, mais moradias, mais empregos, mais estradas, mais consumo, etc.
Porém, depois de 200 anos de crescimento econômico e populacional exponencial, o mundo já ultrapassou as fronteiras planetárias e os limites da biocapacidade. A pegada ecológica já é maior do que a capacidade regenerativa da Terra. A humanidade já chegou a um ponto que só se mantém devido aos recursos fósseis ou a riqueza acumulada nos oceanos, terras, florestas, etc. Mas na taxa atual de uso, estas riquezas estão sendo sobrexploradas e degradadas. Desta forma, a possíbilidade de um colapso ambiental global é cada vez mais real.
Os economistas clássicos sabiam que era impossível manter indefinidamente o crescimento econômico e populacional. Por isto falavam em Estado Estacionário. Mas tudo indica que as fronteiras planetárias vão ser superadas e depois de um pico populacional e econômico deve haver um decrescimento.
Se a população se estabilizar e depois iniciar uma fase de declínio, então os estudos populacionais deixarão de ser uma disciplina orientada para a análise das situações de crescimento e surgirá uma demografia do decrescimento. Pode ser, de maneira forçada, o começo de um mundo com menos consumo e menos lixo.
Ao invés de planejar cada vez mais maternidades, escolas e empregos haverá o planejamento de menos nascimentos, menos estudantes e menos trabalhadores entrando na força de trabalho. O déficit habitacional dará lugar à ociosidade dos domicílios, com reaproveitamento de prédios e novas formas de uso das moradias.
Mas uma das tarefas mais difíceis será lidar com o sistema de repartição simples da previdência social, pois este sistema pressupõe que haja um fluxo crescente de pessoas em idade de trabalhar para sustentar o fluxo crescente de pessoas idosas e em condições de inatividade econômica. Para manter o mesmo padrão de vida, o grupo de idoso precisa ser sustentado pelo grupo de adultos produtivos. Se estes últimos diminuirem, a única forma de manter o padrão de vida dos idosos é um grande aumento da produtividade do trabalho.
Todavia, a produtividade, em geral, depende da expansão da economia. Produzir mais com menos fica cada vez mais comprometido quando há uma população em declínio e uma carga maior de dependência provocada pelo envelhecimento populacional.
Portanto, a demografia do decrescimento vai ter um grande desafio prático e teórico pela frente. Mas é bom começar a pensar nisto, pois o envelhecimento populacional só será inevitável se alguém descobrir o “elixir da longa vida” (isto é, conseguir manter um crescimento infinito). Quanto mais rápido for o envelhecimento – decorrente de uma maior queda das taxas de fecundidade – maior vai ser o decrescimento futuro da população.
A demografia do decrescimento será o estudo da pirâmide populacional invertida. Isto vai dar o que pensar, assim com será preciso pensar novos objetivos para as políticas públicas, que não seja só crescimento. O mundo, provavelmente, em breve vai virar de cabeça para baixo.
José Eustáquio Diniz Alves, Colunista do Portal EcoDebate, Doutor em demografia e professor titular do mestrado em Estudos Populacionais e Pesquisas Sociais da Escola Nacional de Ciências Estatísticas – ENCE/IBGE; Apresenta seus pontos de vista em caráter pessoal. E-mail: jed_alves@yahoo.com.br
 EcoDebate, 21/08/2012
 

quarta-feira, 22 de agosto de 2012

O CONSUMO INSUSTENTÁVEL E OS OCEANOS À BEIRA DE UMA CATÁSTROFE

 
Autor: Henrique Cortez
 [EcoDebate] O rápido esgotamento dos estoques pesqueiros e a crescente degradação dos ecossistemas marinhos são temas que muitas pessoas já ouviram falar, mas, definitivamente, não se importam ou não se preocupam.
A acidificação dos oceanos, em razão do aumento da concentração do CO2 atmosférico, o aquecimento global e as mudanças climáticas ameaçam os ecossistemas marinhos e, diante da inação global, esta ameaça é crescente.
Como se não bastasse, a superexploração em razão do consumo insustentável, ameaçam os oceanos ainda mais rapidamente do que o aumento da concentração do CO2 atmosférico.
O relatório da FAO ‘The State of World Fisheries and Aquaculture 2012 ’ foi bastante noticiado, inclusive aqui no EcoDebate, mas a reação foi mínima, tanto no Brasil como nos EUA e Europa.
Como em outros temas relacionados à crise ambiental global, a maioria das pessoas prefere manter-se alheia ao problema. Não questiono a opção consumista alienada destas pessoas, mas tenho o direito de discutir que isto tem um ‘preço’, a ser pago pelas próximas gerações, nossos filhos e netos.
Segundo o relatório, 30% dos peixes do mundo são superexplorados (e podem desaparecer) e outros 57% estão próximos do limite de extração sustentável.
O relatório da FAO reafirma que a pesca comercial em grande escala já captura 80% de todas espécies oceânicas além de sua capacidade máxima de reposição e que a sobrepesca continua a crescer.
A redução dos ‘estoques’ oceânicos vem sendo compensada pela piscicultura comercial, que, de acordo com o relatório, já oferta 50% dos peixes consumidos em escala global. Em 2002 a piscicultura respondia por 1/3 da oferta.
A tendência de crescimento da piscicultura parece ser uma boa notícia, na medida em que, aparentemente, reduzirá a pressão sobre os cardumes oceânicos. Parece, mas não é.
A piscicultura precisa alimentar os peixes ao máximo, no menor tempo possível, para que atinjam tamanho e peso com valor comercial. Para isto usam rações e óleos produzidos a partir de pequenas espécies como sardinha. Estas pequenas espécies, que são de fundamental importância na cadeia alimentar, também estão sob imensa pressão de sobrepesca e a piscicultura é uma das razões.
As pequenas espécies, que, aparentemente, tem pequeno valor comercial, são intensamente capturadas para produção de rações. Um terço da captura mundial de peixe é desperdiçado na produção de ração animal, sendo que as rações preparadas a partir de peixes representam 37% (31,5 milhões de toneladas) do total de peixes retirados dos oceanos a cada ano e 90 % das capturas transformam-se em farinha e óleo de peixe. Em 2002, 46% de farinha de peixe e óleo de peixe foram utilizadas como alimento para a aqüicultura (piscicultura), 24% para alimentar porcos e 22% para a alimentação de aves.
Um terço do que acaba nas redes de pesca é jogado fora – Três em cada 10 peixes são mortos por engano e são jogados de volta na água. Todos os anos, 250 mil tartarugas são mortas pelos ganchos destinados aos peixes-espada. Mais de 70% dos estoques populacionais de peixes da Europa progressivamente são empobrecidos pelo uso excessivo das redes.
Os peixes compõem uma fração importante na nossa alimentação e seu consumo continua a aumentar em escala maior do que o aumento da população humana. É um grande mercado, pouco regulado e fiscalizado, que ainda não se preocupa com a sustentabilidade.
A indústria pesqueira mundial viola o ‘Código de Conduta para a Pesca Responsável’ da ONU, de acordo com um estudo que diz que nenhum país merece nota maior do que 6,0 em gestão de pesca. Quatro das cinco nações que mais capturam peixes tiveram nota abaixo de 5,0 num total de 10,0; Brasil ficou com conceito de 3,3
Quatro dos cinco países que mais capturam peixes em áreas costeiras no mundo -China, Peru, Japão e Chile- receberam nota abaixo de 5,0 num estudo que avaliou o grau de adesão da pesca mundial a práticas pesqueiras sustentáveis. O levantamento, que analisou os 53 países que mais pescam no mundo (e respondem por 96% do que é retirado dos oceanos), concluiu que todos têm gestão pesqueira reprovável.
Um estudo recente afirmou que a pesca em pequena escala é a melhor esperança de uma pesca sustentável, porque, em tese, a pesca em pequena escala já seria suficiente para atender a demanda de recursos pesqueiros para alimentação humana. Mas não conseguiria suprir a demanda para produção de rações para alimentação animal.
Não é à toa que o bacalhau, em 20 anos, deixará de estar nas nossas mesas. Mas quem se importa com isto, desde que esteja ‘presente’ no próximo almoço de páscoa.
Aliás, todas as 61 espécies conhecidas de atum entraram para a lista de animais ameaçados de extinção. Mas, novamente, e daí?
Estes são fatos amplamente noticiados mas, nem por isto, adquiriram importância no cotidiano da maioria das pessoas.
No Brasil, o Censo da Vida Marinha divulgado pelo Ministério do Meio Ambiente (MMA) indica que, das 1.209 espécies de peixes catalogadas na costa e nos estuários, 32 são sobre-exploradas. O caso dos crustáceos é ainda pior: a sobrepesca afeta 10 de 27 espécies.
A indústria pesqueira atual é insustentável, para não dizer irresponsável
Um novo componente de ameaça aos ecossistemas marinhos vem do crescimento de consumo dos suplementos alimentares a base de Ômega 3, um tipo específico de gordura encontrada mais frequentemente em peixes.
Uma parte da sobrepesca visa a produção de óleos Ômega 3, mas a redução dos ‘estoques’ pesqueiros ameaçava o crescimento vertiginoso do consumo deste óleo de peixes e a industria descobriu uma nova fonte, o krill.
Mike Adams, editor do portal NaturalNews, em interessante artigo [Questioning Krill Harvesting: Why Krill Oil Isn't an Eco-Friendly or Sustainable Source of Marine Omega-3 Oils] questiona a sustentabilidade da produção de óleos Omega a partir da captura de krill.
O krill está na base da cadeia alimentar oceânica e, de acordo com o artigo, a sua biomassa sofreu uma redução de 80% nas últimas décadas. Ou seja, a indústria de óleos Ômega 3 encontrou uma ‘solução’ para a redução dos estoques pesqueiros que, ao longo do tempo, irá reduzir ainda mais estes estoques.
Mas e daí? Os óleos Ômega 3 são importantes para a saúde humana e quem se importa como foi produzido ou de onde ele vem?
Reafirmo que não questiono as opções de quem quer que seja, mas também reafirmo que temos a obrigação moral de reconhecer os impactos sociais, econômicos e ambientais destas opções.
Graças ao consumo insustentável de hoje, os que aqui estiverem em 2050 consumirão muito menos, simplemente porque haverá muito menos que consumir.
E esta será uma das consequências de nossas opções, inclusive de fazer de conta que os problemas não existem.
Henrique Cortez, henriquecortez@ecodebate.com.br
coordenador editorial do Portal EcoDebate
 

sexta-feira, 17 de agosto de 2012

HOLOCENO E ANTROPOCENO

Autor: José Eustáquio Diniz Alves
[EcoDebate] O Holoceno é um termo geológico para definir o período que se estende de 12 ou 10 mil anos – quando terminaram os efeitos da última glaciação – até a contemponeidade. A população humana no início do período Holoceno era de cerca de 5 milhões de habitantes (menor do que o número atual de moradores da cidade do Rio de Janeiro). Mas o Holoceno propiciou as condições climáticas para o desenvolvimento do ser humano, pois foi neste período que a humanidade começou e expandiu as atividades agrícolas, a domesticação dos animais e a construção de cidades. Foi também o período que as migrações se multiplicaram por todos os cantos do Planeta.

A densidade populacional e econômica chegou a níveis bastante elevados, sendo que diversos analistas consideram que as atividades antrópicas já teriam ultrapassado os limites do Planeta. A população passou de 5 milhões para 7 bilhões de habitantes, um aumento de 1400 vezes. Mas a economia e o consumo cresceram muitas vezes mais, explorando e sugando os recursos naturais, ao mesmo tempo em que descartava as sobras do consumo em forma de lixo, esgoto e outros resíduos poluentes. Somente para alimentar os sete bilhões de habitantes do mundo são mortos cerca de 60 bilhões de animais todos os anos.

O prêmio Nobel de Química de 1995, o holandês Paul Crutzen, avaliando o grau do impacto ambientalmente destruidor das atividades humanas afirmou que o mundo entrou em uma nova era geológica: a do ANTROPOCENO. Este termo, que tem antigas raízes etimológicas gregas significa “época da dominação humana” e representa um novo período da história da Terra em que o ser humano se tornou a causa da escalada global da mudança ambiental.

A humanidade tem afetado não só o clima da Terra, mas também a química dos oceanos, os habitats terrestres e marinhos, a qualidade do ar e da água, os ciclos de água, nitrogênio e fósforo, alterando os diversos componentes essenciais que sustentam a vida no planeta. Cerca de 30 mil espécies são extintas a cada ano. A humanidade está provocando a redução da biodiversidade da Terra.

O biólogo E. Wilson considera que a humanidade é a primeira espécie na história da vida na Terra a se tornar numa força geofísica destruidora. Nas últimas seis décadas, na medida em que o PIB mundial crescia e os recursos naturais eram canalizados para o desfrute do consumo e do bem-estar humanos, houve uma investida exponensial sobre todos os ecossistemas do Planeta. O progresso humano tem significado regresso ambiental.

Este compasso é insustentável. O Antropoceno é uma Era sem futuro, pois no ritmo atual, o caminho trilhado vai levar à destruição do Planeta, ao ecocídio e mesmo ao suicídio daqueles que estão provocando a depleção ambiental. É urgente substituir o Antropocento pelo Ecoceno, ou seja, uma era em que haja harmonia entre todas as espécies vivas da Terra, com a eliminação da exploração e da dominação de uma espécie sobre as demais. Para tanto, é preciso superar a maneira de pensar antropocêntrica e adotar e respeitar os princípios ecocêntricos.

José Eustáquio Diniz Alves, Colunista do Portal EcoDebate, é Doutor em demografia e professor titular do mestrado em Estudos Populacionais e Pesquisas Sociais da Escola Nacional de Ciências Estatísticas – ENCE/IBGE; Apresenta seus pontos de vista em caráter pessoal. E-mail: jed_alves@yahoo.com.br

EcoDebate, 08/08/2012


sexta-feira, 10 de agosto de 2012

DUBAI: CIDADE ECOLOGICAMENTE INSUSTENTÁVEL


Autor: José Eustáquio Diniz

[EcoDebate] Dubai é uma cidade que se vende como se fosse uma grande Itu do deserto. Em Dubai tudo é superlativo: o mais alto prédio do mundo, o hotel mais luxuoso e caro do globo, o maior shopping center, o maior aeroporto, etc. Além disto, construiram uma montanha de neve artificial para esqui, piscinas com ondas, um campo de golf que precisa de milhões de galões de água por dia, restaurante construído em gelo, hóteis feitos em granito, mármore e ouro, etc. E muito, muito automóveis e ar condicionados. Ninguém anda a pé.

Com o dinheiro do petróleo o governo dos Emirados Árabes Unidos investiu na construção de uma cidade totalmente artificial no meio das dunas quentes, como se fosse uma Dineylandia do deserto. Mas não foi uma cidade feita para economizar energia, água ou se adaptar às condições inóspidas do semi-árido, como faziam os antigos beduinos. Ao contrário, criaram uma cidade das Mil e Uma Noites voltada para o luxo, o desperdício, a desigualdade social, a falta de liberdade e a insustentabilidade ambiental.

Aliás o dinheiro do petróleo tem permitido a construção de cidades no Oriente Médio totalmente insustentávei do ponto de vista dos recursos naturais. Qatar é um país de 1,4 milhões de habitantes com uma pegada ecológica per capita de 11,68 hectares globais (gha) e uma biocapacidade per capita de 2,05 gha. O Kwait é um país de 2,5 milhões de habitantes com pegada ecológica de 9,72 gha e biocapacidade de apenas 0,43 gha. Os Emirados Árabes Unidos tem uma população de 8,1 milhões de habitantes, uma pegada ecológica de 8,44 gha e uma biocapacidade de 0,64 gha. Estes são os 3 países com maior pegada ecológica do Planeta e com os maiores déficits ambientais. Isto quer dizer que eles só sobrevivem porque importam alimentos e matérias-primas do resto do mundo.

Mas Dubai é o ícone da insustentabilidade. A Shangri-La do Oriente Médio foi construída do nada em poucas décadas de bolha de crédito, com supressão de direitos, escravidão e ecocídio. Depois da crise de 2009 os segredos de Dubai e o lado obscuro da cidade estão aparecendo. Enquanto isto algumas ilhas artificiais (construidas em um conjunto em forma de palmeira) estão afundando e os lagos artificiais estão possibilitando a propagação de algas que emitem um odor fétido e atraem mosquitos, ao mesmo tempo que afastam os investidores.

A explosão imobiliária (e a especulação) foi construida com o suor dos trabalhadores estrangeiros, principalmente Filipinos, Etiopes, SriLanka, Paquistaneses e indianos. Vivendo em condições extremamente precárias, passam praticamente a vida toda trabalhando, para mandar dinheiro para casa (remessas) que nao é suficiente e não permite o mínimo de autonomia. A sub-classe de trabalhadores estrangeiros – que construiu a cidade – está escondida das vistas dos turistas em Sonapur (em hindu significa cidade do ouro) que é uma série de edifícios de concreto idênticas, onde 300.000 homens vivem amontoados entre o cheiro de esgoto e suor.

Sem os trabalhadores estrangeiros e sem o petróleo a cidade de Dubai não sobrevive. Pode até ser que o turismo gere alguma fonte de receita, mas as desigualdades sociais e a falta de liberdade política não é um modelo que atraia muita atenção do mundo. A família real se acha dona do país e vê as pessoas como seus servos. Aliás, praticamente toda a população nativa trabalha para o governo, que tem sua fonte de renda no petróleo e na renda de imóveis e terrenos.

Portanto, Dubai pode ser uma boa cidade para se comprovar a capacidade humana de construir obras dignas das Sete Maravilhas do Mundo. Mas como as pirâmides dos Faraós, Dubai também pode se tornar apenas um símbolo de uma cidade ecologicamente insustentável no meio do deserto que será incapaz de sobreviver depois do fim dos combustíveis fósseis e das bolhas imobiliárias.

José Eustáquio Diniz Alves, Colunista do Portal EcoDebate, é Doutor em demografia e professor titular do mestrado em Estudos Populacionais e Pesquisas Sociais da Escola Nacional de Ciências Estatísticas – ENCE/IBGE; Apresenta seus pontos de vista em caráter pessoal. E-mail: jed_alves@yahoo.com.br

Fonte: EcoDebate de 03/08/2012


domingo, 5 de agosto de 2012

SER HUMANO: ESPÉCIE INVASORA?

Autor: José Eustáquio Diniz Alves

[EcoDebate] O ser humano é fruto de uma longa evolução das espécies em meio à biodiversidade do Planeta. Isto não quer dizer que somos os animais maiores, mais fortes e mais rápidos da natureza. Ao contrário, o ser humano nasce de maneira bem débil e sem poder caminhar e procurar a sua própria comida. Em geral, o ser humano não pode nadar grandes distâncias e não pode voar. Também não possui em sua constituição física garras para se defender ou atacar e nem venenos para paralisar suas vítimas ou predadores. Não possui nem penas e nem pêlos para se proteger do frio. O ser humano é uma espécie bastante frágil.

Porém, esta espécie natural e biologicamente frágil desenvolveu uma arma poderosíssima que é o cérebro. O homo sapiens (homem sapiente) desenvolveu o raciocínio, a linguagem, a cultura e as civilizações. A inteligência humana também foi fruto de um longo processo de evolução que se aprimorou enfrentando as adversidades da natureza. Para superar suas fragilidades, o homo sapiens passou a construir ferramentas e se transformou em homo faber (homem fabricante). Uma coisa fortaleceu a outra, pois a inteligência permite construir ferramentas e utensílios e a construção destes aparelhos ampliou os limites da inteligência. O cérebro desenvolvido permite a resolução de problemas práticos e a postura ereta do homo erectus (bípede) possibilitara o uso dos braços para manipular objetos, especialmente com a capacidade prensil do polegar. Foi assim que o ser humano conquistou uma grande mobilidade espacial e social.

Primeiro, o ser humano aprendeu a usar a pedra lascada, depois a pedra polida, as lanças, o arco e flexa, as facas, etc. Aprendeu a controlar o fogo para cozinhar, gerar calor e luz. Depois juntou o fogo com o domínio da mineração para construir ferramentas e armas com os avanços da metalurgia. Inventou a roda e os meios de transporte. Criou o zero, o sistema decimal de números e o sistema binário (zeros e uns) que, hoje em dia, são a base da sociedade da informação. Aprendeu a plantar e a domesticar os animais para melhorar sua alimentação. Depois construiu cidades, fábricas, hospitais, escolas, carros, trens, aviões, navios, submarinos, etc. Com isto, o ser humano passou a andar, nadar e voar por todo o planeta e se tornou uma espécie onipresente na Terra. Hoje em dia, os homens e mulheres podem dizer: “está tudo dominado”.

Tudo começou há cerca de duzentos mil anos. Os estudos com o DNA mitocondrial de fósseis humanos mostram que a espécie teve origem na África oriental. A expansão e a migração do homo sapiens para fora do continente africano começou há cerca de cem mil anos.

A primeira diáspora bem sucedida aconteceu entre 90 mil e 85 mil anos, quando um grupo de homo sapiens atravessou o Mar Vermelho e seguiu em direção ao sul da Ásia. Entre 85 mil e 75 mil anos chegaram à Índia, Indonésia e ao sul da China. Entre 65 mil e 50 mil anos, um fluxo chegou à Austrália e outro ao Oriente Médio (até o Bósforo). Entre 50 e 45 mil anos, chegaram à Europa. Entre 45 e 40 mil anos, novos grupos de migrantes chegaram à Ásia Central, Tibet, interior da China, Córeia e Japão. De 40 a 25 mil anos, outros fluxos chegaram à Rússia, ao Circulo Polar Ártico, à Sibéria e ao estreito de Bering. De 25 a 22 mil anos um pequeno grupo chegou à América do Norte. Mas os rigores da Idade do Gelo restringiram a expansão humana. Entre 15 e 12 mil anos a diáspora que começou na África, se espalhou pela América do Norte e chegou à América Central e à América do Sul.

Com o fim da Idade do Gelo, entre 10 mil e 8 mil anos atrás, houve expansão da agricultura e o ser humano se espalhou pelo Globo, ocupando todos os continentes e todas as regiões do mundo. Estima-se que a população mundial passou de poucos milhares de indivíduos há 50 mil anos para 5 milhões de habitantes há 8 mil anos, cerca de 250 milhões de habitantes no ano 1 da era Cristã, algo em torno de 500 milhões no ano de 1500 (descobrimento do Brasil), 1 bilhão em torno do ano 1800 e 7 bilhões de habitantes em 2011. Estima-se que a soma de todas as pessoas nascidas desde o surgimento do homo sapiens chegue na casa de 110 bilhões de pessoas.

Diversos historiadores consideram que a migração humana foi um sucesso e que a humanidade criou uma grande civilização cheia de realizações e invenções geniais. Porém, existem outros historiadores que consideram que o ser humano, a despeito de ter realizado algumas obras geniais, tem causado muitos danos à natureza e ao Planeta. As migrações humanas desde a África trouxeram grandes destruições ambientais e a biodiversidade dos biomas foi alterada.

A natureza do continente americano sofreu muito com a chegada humana, especialmente após o crescimento do volume de pessoas. Por exemplo, as migrações humanas que chegaram à ilha de Páscoa (Rapa Nui), pertencentes atualmente ao Chile, acabaram por destruir a natureza local e a própria civilização da terra dos Moais. A civilização Nasca no Peru, além de fazer as famosas linhas de Nasca, contribuiram para a degradação ambiental ao cortar as árvores locais que resistiam à pouca precipitação pluviométrica.

Mas foi após a chegada de Cristóvão Colombo que os danos ao meio ambiente se intensificaram e a crise ambiental se agravou progressivamente. Em Galápagos, os equatorianos, durante mais de um século, mataram as tartarugas para fazer óleo e iluminar as cidades (como Guayaquil e Quito). Das diversas espécies de tartarugas, uma tem uma dramática extinção, pois só havia sobrado o “solitário George” (último exemplar daespécie), que morreu no mês passado. Além disto, houve a introdução de diversas espécies invasores de plantas e bichos que destruíram grande parte da riqueza natural do arquipélago. Em dimensão bem maior, os Estados Unidos da América (EUA) são campeões mundiais de destruição ambiental e estão afetando, não só o seu território, mas o clima do Planeta.

No Brasil, 93% da Mata Atlântica foi destruída a ferro e fogo. Outros biomas, como o Cerrado, os Pampas e a Amazônia estão indo pelo mesmo triste caminho. Os rios das grandes cidades foram destruídos ou simplesmente viraram canais de esgoto, como os rios Tietê, Carioca e Arrudas, respectivamente, em São Paulo, Rio de Janeiro e Belo Horizonte. Os exemplos do impacto negativo da população humana são muitos e dramáticos. A destruição do solo, das águas e do ar se espalha com grande velocidade, destruindo a riqueza biológica e as espécies nativas e endêmicas.

Por isto, alguns pensadores estão reavaliando o papel das migrações e até considerando o ser humano uma espécie invasora. As espécies invasoras são aquelas oriundas de outra região ou bioma, e que se adaptam e proliferam muito bem no novo ambiente, competindo com as espécies nativas por nutrientes, luz solar e espaço físico. Em geral, elas modificam o ecossistema original e reduzem a biodiversidade. Por falta de predadores naturais, as espécies invasores multiplicam sua presença como uma praga.

Por exemplo, o filósofo britânico John Gray, em entrevista à revista Época (29/05/2006), apresenta um prognóstico pessimista sobre a humanidade: “A espécie humana expandiu-se a tal ponto que ameaça a existência dos outros seres. Tornou-se uma praga que destrói e ameaça o equilíbrio do planeta. E a Terra reagiu. O processo de eliminação da humanidade já está em curso e, a meu ver, é inevitável. Vai se dar pela combinação do agravamento do efeito estufa com desastres climáticos e a escassez de recursos. A boa notícia é que, livre do homem, o planeta poderá se recuperar e seguir seu curso”.

O homo sapiens utilizou o cérebro para construir uma avançada civilização planetária, mas tem utilizado a sua inteligência de maneira instrumental e egoísta. O impacto humano já ultrapassou a capacidade de regeneração de todos os continentes. Não há mais fronteiras para novas migrações. Será que o homo sapiens que se espalhou pelo Planeta (chegando por último ao continente americano) pode ser classificado como uma espécie invasora? Ou haverá uma forma evitar seus efeitos daninhos?

Referência: A jornada da humanidade

Fonte: EcoDebate, 25/07/2012